quarta-feira, 22 de novembro de 2023

 

Não sei escrever

Márcio Barker

internet

Outro dia, me acusaram de escrever mal!!! Nossa, puxa vida! Confesso, preocupei-me! Sim, e com razão, pois ganhei a vida escrevendo! E olha que por algumas décadas. Incrível! Ou o país é analfabeto, míope,ou meus textos sempre estiveram restritos a uma bolha (tá na moda essa expressão) condescendente. E, por causa disso, passei incólume. Claro, uma crítica aqui, outra ali, uma sugestão acolá, quem sabe algumas reprimendas, mas nada muito radical.

E eu fiquei pensando: “Disseram que escrevo mal!!!”

Insegurança!!! Mas será que esse “mal” é com “L”, ou “ com “U””??? Estou em dúvida.

Ah, sim, disseram ainda que faço mau uso da vírgula, do ponto, do ponto e vírgula, das aspas, parênteses, colchetes, travessão, e sei lá mais o quê

Ainda foi observado, que meu texto é descolorido, desprovido de profundidade, de clareza, por vezes contraditório, carente de sentido, resvalando, por vezes, no rasteiro.e muitas vezes, sofrendo de um “pieguismo”, ora latente, ora explícito.

Ah, sim, esclareceram que o meu uso excessivo de entrelinhas, se deve ao meu baixo nível de conhecimento, abusando também de reticências.

Incrível, me recomendaram um saudável retorno ao primeiro grau, supletivo ou, quem sabe, até ao madureza.

Fiquei pensando. Quem sabe mais conveniente seria contratar um revisor ou, ao menos, um moderno programa de revisão, para colocar no meu computador.

AH! Aí,sim! Meus textos ficariam livres de minha brutalidade, da selvageria que é confundir “L” com “U”, escorregar entre o “CH”, os “SS”, “X”, “Ç”, saber quando usar o “S” com som de “Z”. Sim, meus textos estariam livres do meu desconhecimento de oração coordenada, da subordinativa, de sujeito, verbo e predicado, pronomes (retos ou oblicuos), e a concordância seria admirável.

Teria um texto limpo, nobre, pasteurizado, brilhante quem sabe um tanto respeitado, um texto realmente literário. Algo bonito, elogiável, incrível, realmente um texto, digamos, “civilizado”.

Mas não seria um texto autêntico, com todas barbaridades, escorregões, maus usos...pois não seria um texto meu!!!

Portanto, não querendo ser desagradável,

Phoda-se!!!


terça-feira, 7 de novembro de 2023

 

Tanto Tempo...

Márcio Barker

internet

Hoje voltei a lembrar...

...a lembrar que já faz tempo...

Aliás, bastante tempo.

Ou talvez, nem tanto. Será?

Bem, mas para mim, já é muito tempo!

E daí?

Daí o de sempre:

Por onde andará?

Como estará?

Fazendo o que?

Lembrará de tudo o que passou?

Ao menos um pouquinho?

Sempre?

Só de vez em quando?

E de mim, lembrará?

Sempre?

Ou quem sabe ao menos,  só um tantinho?

Procuro fugir a  uma pergunta cruel.

Essa:

Estará com alguém?

Se estiver, com quem será?

Apaixonada?

Ou como eu, pensando no que passou?

Prefiro não perguntar...nem pensar!!!

Puxa, eu lembro.

Às vezes, sempre.

Às vezes, um tantão.

Pena, não tenho ninguém....

...e mesmo que tivessem, daria na mesma.

Às vezes eu a encontro.

Sorriu, me alegro

Faço perguntas

mas não me responde...

Claro, agora é só uma tola miragem...

Não tão tola assim!


sábado, 28 de outubro de 2023

 

O Tio Luiz

Márcio Barker


Outro dia, lembrei dele, meu tio Luiz.

Nossa, como faz tempo!!! Irmão mais jovem da família de meu pai. Era também, meu padrinho.

Personagem na história de minha infância, adolescência e juventude. Era médico.

Estatura média, rosto jovial, bigodinho fino. Morou muitos anos na casa de minha avó materna, Ana.

Tinha um jeito particular de caminhar, que chamava minha atenção. Chegava na casa de minha avó, sempre numa motocicleta. , todo encapotado. Chamava ela de "Zefa".  Fotografei algumas imagens dele. Uma delas, dizendo como eu devia tomar corretamente o café com leite, sem fazer barulho.

Simpático, ar calmo, ele me transmitia tranquilidade. Havia, ainda, um certo ar bem humorado e ironia.

Uma vez uma vizinha mandou um doce para minha avó. Quando ele encontrou o tal doce, “formigão”, não só comeu tudo, como pediu mais, Quando ficou sabendo que tinha sido enviado pela vizinha, não fez por menos. Foi no quintal de casa, e ficou falando em  alto e bom som: “Que vergonha! Prá que mandar essa miséria de um doce tão gostoso, que mal dá pra um?” E arrematou, “melhor seria não ter mandado nada!”, Tudo isso, naturalmente para desespero de minha envergonhada avó.

Gostava quando ele chegava em casa, Entrava, e já ia sentando ao piano e, como prefixo, abria com “No Rancho Fundo”, de Ary Barroso.

Jovial, era a alegria de meus primos mais velhos. Um verdadeiro “profeta”. Sempre  com ar esportivo, e com novidades, convidou, e foi (e voltou) a Bahia, no seu carrão, com meus primos mais velhos. Um dia, passou em casa, me levou, com um de meus irmãos, para velejar. Foi uma aventura e tanto.

Uma vez eu o encontrei, no trânsito, num bug. Muito bem acompanhado (pra variar), usando um rabo de cavalo. Estava com sessenta anos!!! Invejável. Outra vez, o vi sozinho. Me disse que “estava dando um tempo”, com a namorada. Tinha, então uns sessenta e pouco.

Simpático, boa conversa, minha avó contava os inúmeros telefonemas, com diferentes vozes femininas. “Por favor, do Dr. Luiz está???” Mesmo pequeno, eu morria de rir

O jeitão liberal, e desencanado, não demorou em despertar a ira de minha mãe, uma conservadora. Como não nos dávamos muito bem, volta e meia, minha mãe dizia com raiva: “Você parece filho do seu tio Luiz”. Eu achava muito engraçado. Quando estive no aniversário de oitenta anos de meu tio, eu contei a ele essa história. Ele riu, e disse: “Mas isso foi um elogio.”

A última vez que o vi, foi no seu aniversário de noventa e um anos. Lá estava ele com o mesmo jeito, rosto liso, sorrisinho, simpatia, brincalhão, irônico, jovem. Ah, sim. E com seu eterno rabo de cavalo.

Dei um longo abraço, no tio Luiz, E, brincando, eu disse: “Tio, eu sei qual é o segredo de sua eterna juventude.”

Qual?”, perguntou.

Respondi:

Seu bom humor, e as mulheres.”

Foi a gargalhada mais gostosa que ouvi. Uma gargalhada de noventa e um anos!!!

É um privilégio, não  é?

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

 

                Do seu nome, um verbo

                   Márcio Barker

            imagem: internet

Outro dia, caminhando por aí, me perguntarm

E daí, como vai você?”

Respondi:

Tudo bem, Camillando”

Aliás, nas últimas semana, de verdade, tenho Camillado, até que razoavelmente.

Mas, que pena! Camillo a distância, ao menos por enquanto.

Sinceramente, eu gostaria de Camillar mais próximo. Ah! Se eu Camillasse mais, de bem perto, sem dúvida de que Camillaria, mais feliz. Espero que, quando eu Camillar, pertinho, seguramente, será um Camillar fascinante.

Sim, porque ultimamente, me faz falta um, quê, um tantão, de satisfazer o meu desejo, de Camillar. Porque, eu bem sei que, ao Camillar, sentindo o sabor, o perfume, Camillarei para outros horizontes de sessações, de cores, que preencherão um pobre coração descamilizado.

Portanto, há que se usar o imperativo: Camille!!! para quando eu Camillar, que eu Camille com o coração em brasa, bem melhor se eu Camillasse de longe.

Tenho gostado desse verbo, acho que vou conjugá-lo, sériamente. Mas só, seja no tempo presente, ou futuro. Sabem? Sinceramente, gostaria de não conjugá-lo, no passado.

Um grande brinde. Camillemos, pois, sei lá até quando....não é, Camilla?


quarta-feira, 16 de agosto de 2023


A Gika

Márcio Barker

Não era uma deusa da beleza, mas muito menos feia.

Mas para mim era a Gika, o que importava.

Pequena, baixinha mesmo, nossos abraços eram trabalhosos.

Tinha que me curvar. Que importa? Pois eram aqueles abraços!!!

Abraços da Gika

Irriquieta, ágil, alegre, sempre cheia de ideias.

Boas ideias a Gika tinha.

Gika” era o apelido que dei a ela.

Nossa!!! Mas como vivia longe!!!

Horas e horas de ônibus, pela estrada a fora. Tudo só pra ver a Gika.

Mas valiam a pena, aquelas horas de estrada. Eu sabia quem me esperava.

Era ela, a Gika, Quanto mais os kilômertros passavam, mais o coração acelerava.

Se nossas separações eram tristes, os reencontros compensavam.

Na casa da Gika, eu era o rei.

Tinha até cafezinho com biscoitos na cama, de manhã

Nossas viagens e nossos passeios eram coloridos. Pois colorida era a companhia da Gika.

A vida com a Gika era mergulhada no bom humor, na piada, no carinho, na graça. Sim, porque eu estava em companhia da Gika.

Na cama, fosse a que horas fosse, não da pra esquecer.

Rejuvenecíamos, na luz do abajur, e de corpo e alma.

Os beijos, abraços, orgasmos que o tempo guarda. Era a Gika!

Um dia a Gika foi embora!!!

Não acreditei...não acredito até agora...

Culpa minha?

Pensou que eu tivesse outra.

Não tinha....

Argumentei, falei, jurei, mas a Gika não acreditou...

Punido por um crime que não cometi.

Mas admito que em seu  lugar , também seria difícil acreditar em mim, apesar de inocente!!!

Então, culpa minha

Gika se foi, e eu fiquei a ver navios.

Fazê o quê, não é?

Ficaram as imagens da estrada, dos beijos, do amor, das piadas, que lembro com um sorriso triste.

Foi muito bom, viu Gika?

terça-feira, 7 de março de 2023

 

O Safado

Márcio Barker



                                                                                                                       internet

Eu era pequeno. Três ou quatro anos, talvez cinco.

Minha mãe metia em mim uma fantasia de cowboy, ou de pirata, que, aliás eu gostava bem mais. Além disso, ela me dava um lança-perfume, lindo, numa embalagem de alumínio, dourada. E lá íamos nos dois, à matinê carnavalesca.

No salão, colorido, agitado, alegre, muita gente. Lembro bem que tinha mais adultos, do que crianças, e pareciam se divertir mais.

No palco, uma baita orquestra, completa. Naipes de metais, madeiras, percussão, piano. No repertório, só as eternas marchinhas.


Minha fantasia é de diabo/É de diabo,

mas falta o rabo, mas falta o rabo.

Eu vou botar um anuncio no jornal:

Precisa-se de um rabo pra brincar no carnaval”.


Era uma delícia, fosse o rabo, ou o carnaval

E eu largava da mão de minha mãe, e me espalhava pelo salão, (com quatro ou cinco anos!!!)

E, ao som da orquestra fantástica, eu corria pelo salão, de lança-perfume em riste. Objetivo: os magníficos seios, e as maravilhosas coxas das ''folionas''. Confesso: jamais esqueci.

Lembro bem das reações. Elas olhavam pra mim, entre assustadas e surpresas. Não esqueço dos sorrisos. E diziam:

''Que garotinho precoce!!!''

Olhavam sorrindo para minha mãe e diziam:

''Seu filhinho? Mas que safadinho, não?''


Minha mãe sorria. Naquele tempo ela não ficava brava...

E o garoto ''levada da breca'', como se dizia antigamente, continuava pelo salão a fora, com seu lança-perfume, entre seios e coxas (deslumbrantes), enquanto isso, a orquestra tocava:


Brasil já lamçou fogueteeeeeeeeee,

agora Cuba também vai lançar.

Quero ver Cuba lançar, Cuba lançar, Cuba lançar''


Aqueles carnavais passaram, o lança-perfume, a banda, as marchinhas, aqueles seios, e aquelas coxas, e o o garoto safadinho, também

E hoje:

corrida atrás só ônibus perdido.

Perdido na fila interminável do banco.

Um mágico que estica o salário que terminou bem antes do fim do mês.

Próstata.

Filho que vai mal no colégio.

Mulher que reclama e cobra...

a ereção duvidosa, insegura.

Insônia, pesadelos.

O carro que não pega de manhã (já atrasado).

O velho amigo que morreu de repente.

A insatisfação indefinida, que se esconde atrás de uma máscara.

O vazamento na parede.

A inflação.

A boçalidade vencendo a eleição.

O funk alto no vizinho.

O sertanejo universitário no outro vizinho.

A encheção de ter de ir ao médico.

Pressão dando de subir.

O distinto relutante...descendo.

O chato inesperado na rua, e não teve tempo de mudar de calçada.

Etc e tal

E o que me faz sobreviver e não perder o bom humor???

Simples:

É aquele safadinho que ainda sobrevive lá no fundo, entre as lembranças das marchinhas, do lança-perfume, dos seios e das coxas, num eterno carnaval

Que bom!!!

(P.S.: um comentário é  legal, seja para um elogio, seja para uma crítica.  Sempre importante.

Por favor, comente. Grato

O Autor)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Nó no corção

 

Nó no coração

Márcio Barker

                                                                      internet

Desperto.

Quando saio  do quarto, dou de cara com a cozinha.

Lá estão a mesa, e as cadeiras.

Mas falta algo.

Se vou a sala, vejo meu sofá.

Puxa vida!!! Quantas vezes adormeço, vendo um filme, na TV.

Seguram minha mão!

Acordo! No sofá, apenas eu.

No café, almoço e na janta. Lá estão o fogão, armários, geladeira.

Meto a cara na xícara do café, para não sentir que está faltando algo.

Ligo a música, ela me faz uma arremedo, da companhia que tive.

Ligo o carro, e saio.

Vejo aquela praça...vejo também quem não está mais por lá.

No supermercado, vago perdido no meio das prateleiras.

Encontro tudo. Tudo? Falta algo, que as prateleiras não têm

Volto para casa, não sei o que fazer olhando para as paredes.

De relance, lá no meu quarto, vejo minha cama...vazia.

Sabe? Na cabeça, o vácuo.

E não tenho mais coragem de encarar o espelho.

Por vergonha do que deixei de ser...

Os olhos brilham...pelas lágrimas que seguro...