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Uma tarde na fila do banco - Márcio Barker |
Daí o dia já estava alto, bonito e agradável. Eu não, pois estava numa “agradável” fila de um banco. Daquelas que serpenteia pelo banco a dentro, ou pelo banco a fora.
Tudo era silêncio, pois não há, ao menos em minha opinião, situação mais broxante a inspirar algo de bom. Apenas leves ruídos das registradoras, dos carimbos...enfim, aquela coisa tão “interessante”. Uma ou outra conversa em meio tom, etc & tal.
Nisso escuto uma voz agradável e amável dizendo:
“Senhor, por favor, pode vir até o meu caixa.”
Como não tinha nada mais para fazer, olhei. Era a moça de um caixa apenas para o pessoal de “quilometragem mais alta”, ou seja, os idosos. E ela estava se referindo a um sujeito que estava atrás de mim.
Daí o camarada perguntou estupefato:
“Está falando comigo?!?!?!”
E ela:
“Sim, senhor. Por favor, pode vir para poder atendê-lo. Esta caixa é para maiores de sessenta anos.”
O sujeito ficou meio pálido e responde irritado:
“Mas quem aqui tem sessenta anos?!?!?!” Ainda não cheguei nessa idade! O que é isso???
Já fiquei com o pé atrás. E a moça, já meio sem jeito diz:
“Bem, não importa, se quiser pode vir”
E ele:
“Escute, minha filha, EU NÃO SOU IDOSO!!! Não preciso de fila para velhos!!!”
Mal educado. Fácil dedução, alias. De soslaio, como os olhos de canto, disfarçados, fiquei dando uma olhada no cara. Se não vejamos:
Cabelos mais brancos do que pretos. No cocuruto uma calvície, popularmente conhecida por “aeroporto de mosquito”. Sobrancelhas grossas e desgrenhadas que já denotam certa idade. O rosto todo marcado por vincos e um nariz repleto de pêlos e cravos, o que se supunha uma certa falta de cuidado ao banhar-se. Era de notar o lado, digamos, mais “galinheiro” do rosto, ou seja, os “pés-de-galinha” e o pescoço “a La peru”.
O calor o obrigou ao uso de uma bermuda, que revelava pernas de um tom “branco-espanto”, repleto de inícios de varizes. De fato, a pobre moça do caixa dos idosos tinha todo o direito de se enganar.
Bem, mas voltando a história. Daí a pobre moça se desculpa, e chama o próximo idoso. Faz-se um silêncio ainda maior e constrangedor.
E lá fiquei eu olhando para o nada, com os olhos de peixe morto e a cabeça num vazio profundo. Nisso, o sujeito vira prá mim, e vai dizendo:
“Que puta absurdo. Quer dizer que eu sou um ‘velho’ na opinião daquelazinha? Imagina, eu ainda não tenho sessenta anos! Ela deveria é usar óculos, e ser mais educada, isso sim.”
Fiquei olhando para ele, pois quem já estava ficando puto era eu. Voltei a olhar para o nada e a pensar no vazio. Daí...
“E tem mais. Quando eu chegar aos sessenta, vou estar inteiro, tá? E inteiro pretendo ir bem mais além. Vagabunda, me chamando de velho”.
E eu:
“Pelo que vi, só quis ajudar o senhor. Afinal estamos longe de parecermos jovenzinhos.”
E para cutucar mais, acrescentei:
“Apenas ela perguntou se o senhor era maior de sessenta anos. Nada de mais.”
Daí notei um certo “avermelhamento” no rosto, que, inclusive, combinou muito bem com o pescoço “a La peru”.
E ele:
“Nada de mais??? O que ela está pensando? Eu estou longe de ser um velho!”
Definitivamente o cara não tinha espelho e era indulgente com ele mesmo. Bem, fiquei “na minha”.
Mas o cara insistia. Saiu da fila e foi até o guichê dos idosos. E foi dizendo, já em alto e bom som:
“Você não tem o direito de se dirigir assim, dizendo que sou um ‘velho’!!!”
E ela:
“Não disse isso, meu senhor, apenas quis ajudar...”
Ele (aos berros)
“Ajudar, porra nenhuma. Eu não pedi merda ajuda alguma. E você vem me “ajudar” querendo me ofender, dizendo que sou um ‘velho’? ‘Velho’ é a puta que pariu, ouviu? Sua puta do caralho, sem vergonha...” e sua isto, e sua aquilo e aquilo outro.
Chega um gerente:
“Mas meu senhor, o que se passa?”
E ele:
“Se passa que essa puta me xingou de ‘velho’. Sabe o que é ‘velho’? É o cú da mãe dela!!!”
Chega outro gerente e mais um segurança. E o cara esperneando diante do guichê da pobre moça.
Pediram calma. Pediram moderação. Repreenderam o camarada, e nada. Estava fora de si. Só lembro de retalhos do rolo:
“Eu mato! “Vou dar uma surra em você com o meu pau!” Pensei, será que naquela idade ele poderia se dar a esse luxo? Sim, pois para valer a pena, o pau em questão deveria ter uma certa, digamos, “consistência”.
E o frege continuava:
“Puta”, “monte disso”, “monte daquilo, “vai se fuder” (fiquei na dúvida: o “fuder” é com “u” ou com “o”. Bem não importa.
Chegam mais outros dois gerentes, e três seguranças. Escuto uma sirene aflita, entram pela porta adentro alguns policiais.
“Calma!”, “Controle-se”, “O que é isso, na sua idade”, “Vão se fuder (ou foder, não sei), “Eu mato essa vagabunda sem educação”.
Daí formou-se uma aglomeração em volta do sujeito, era um misto da turma do “deixa-disso” com agarra-agarra, que ia de lá prá cá, e de cá prá lá.
De repente, de imprevisto, sem mais, sem menos, ouço um ruído surdo, pesado, horripilante, !!!” apesar de curto e rápido.
“BUM!!!”
Olho. No chão o camarada caído. Imóvel. Branco. Duro.
Infarto fulminante, sem qualquer chance. No ar apenas um “OH!”.
E o camarada queria ir bem além dos sessenta.
Quando tomei consciência, estava atravessando a rua, com todas as minhas contas na mão. As quais, aliás, paguei todas no dia seguinte...com multa pelo atraso.