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O chato - Márcio Barker |
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Domingo à tarde. Daí, aos pouquinhos, um
monstro vai tomando conta de você. O monstro da pré-segunda-feira. E
não há domingo que resista. Seja chuvoso, radioso, horroroso ou
maravilhoso, não adianta: domingo não passa de uma tenebrosa véspera de
segunda-feira. Bem, não falo por todos, falo por mim.
Daí relaxado
num sofá, após um café-com-leite-pão-manteiga-queijo, fica-se pensando
na vida, tentando esquecer a bendita segunda-feira. “Bendita” é modo de
dizer, não é?
Então, como se não bastasse, de repente, não mais que
de repente a companhia o anuncia. O sexto sentido denúncia: é ele quem
aparece!!! Sim! O perfume logo o denuncia. É forte, doce e
impregnante. Se espalha pela suas roupas, pela mão direita. Outro
indício: o abraço demorado e forte, tipo “quebra costela” e o bafo na
orelha. E, se houver beijo, é do tipo bem babado. Ele sempre chega de
repente, de imprevisto, nas piores horas. Camuflado, não há como
esgueirar-se de sua chegada. Sempre temida...sempre repentina. Uma vez
instalado num belo sofá, raramente se apercebe do passar do tempo. Já
se acostumou a isso, pois faz tempo que se aposentou. Parece ter uma
bunda de chumbo, pois nunca se levanta. O fôlego é infinito, pois
desconhece a boa utilização do ponto e da vírgula. Fala sem parar.
Assuntos? Iinfinitos! Graça? Só das próprias piadas, geralmente
infames.
Os olhos irrequietos e ziguezagueantes são o “pano de
fundo” da verborragia sem fim. Fala de pneus a remédio para coriza; de
arroz doce a de gatos; do fulano que morreu atropelado a sua camisa
que ele achou ridícula; do clube familiar de fim de semana a mãe dele
que tem noventa e cinco anos, e é uma gracinha; de supositórios aos
lançamentos dos carros do ano; da última operação...e por aí vai.
Durante
seus monólogos regados a perdigotos, enquanto a mão direita busca
freneticamente os botões da camisa do interlocutor, a esquerda divaga
livremente pelo próprio bolso da calça. Usa relógio, mas nunca o
consulta.
Aceita cafezinho, almoço, lanche e janta. Não contente
sempre “agradeceria uns pastéizinhos, ou biscoitos amanteigados”.
Pródigo em comentários infames expõe a falta de tato, delicadeza e
sobriedade. Gargalhadas imensas colocam a nu sua suscetibilidade ao
humor de gosto duvidoso. Mas o pior é que essa gente é sempre do tipo
“boazinha” . Por mais que você queira fazê-lo em picadinhos,
empalá-lo (sem vaselina) escalpelá-lo ou afogá-lo com requintes de
crueldade, não podemos nos dar a esse luxo.
Pior, é indiferente a
indiretas, não entende brincadeiras sobre o tardar da hora, é surdo
quando o mal humor da vítima já se faz bem visível. Não percebe o
olhar furioso de saco cheio do pobre interlocutor,
E o mais trágico
está por vir, já são quase meia-noite, e o camarada está lá desde a
manhã. Não dá sinais de se levantar, nem se despedir da pobre vítima,
já quase morta de sono, tonta de tanta besteira que escutou e...bem
visível, logo ali, do lado do impiedoso relógio, o rosto diabólico da
segunda-feira sorrindo maldosamente para a pobre vítima.
Meu Deus, o que fazer? Simples, no próximo domingo desligue a companhia...de casa. Às vezes é tão fácil ser feliz...
Alguém tem outra sugestão?