Mau...gênio - Márcio Barker |
Daí saiu espumando do consultório médico.
Não era para menos.
Na mão esquerda um calhamaço de receitas, com um monte de
nomes estranhos.
Coisa para diminuir o açúcar, outro para cair a pressão, mais
um para cortar o colesterol, não sei o quê para ajudar o fígado, também outras
coisas para a próstata e remédio para afinar o sangue. Tinha mais, mas não
lembro.
Na mão direita, duas listas.
Uma graaaande, assim, com um montão de “não pode isso”, “não
pode aquilo” e “tomar cuidado com aquilo outro”.
A outra, bem curtinha
assim, ó, pequenina, com o que ele “podia”.
Ainda no consultório, depois de ouvir tantas limitações e
recomendações , levantou com o dedo em riste para o doutor.
“E...e trepar, será que
eu posso???”
E o outro inocente...
“Evite estripulias. Não
suba em muros e não trepe em árvores.”
Saiu espumando, chutando latas, sentido-se um “João-ninguém”.
Foram anos de picanha, com aquela borda tostada de gordura.
Huummmm...
Quem sabe toneladas de petiscos: cebola frita, salame ao
vinagrete, batata frita (com maionese), hambúrgueres....ah, sim, aquele bendito
provolone à milanesa.
Quer coisa melhor?
E isso para acompanhar a fantástica cerveja
geladérrima, e a abençoada caipirissíma de pinga ou vodka, com gelo, limão e
açúcar.
AHHHH...e tudo naqueles templos do rejuvenescimento. Naqueles
lindos e maravilhosos botecos, barzinhos, ou sei lá mais o quê, onde se lavava a alma da poluição do
dia-a-dia, do escritório, do trânsito, da grosseria da maldita megalópole, dos rolos
em casa com a mulher...
Era naquelas ilhas do prazer, que tudo caia no fantástico esquecimento.
Eram verdadeiros jardins paradisíacos, onde entre petiscos
e bebericos, sobravam saborosas,
generosas e intermináveis gargalhadas na roda de amigos...a verdadeira família.
Tudo isso envolto pela dança da fumaceira de cigarros a fio.
Foram anos e anos dessa vida abençoada. Mas...
Um dia o peito acendeu a luz vermelha. Foi parar no hospital.
Quatro safenas. E pensou: “to fudido”...e estava
mesmo...coitado, que vida injusta.
Afinal, não estava fazendo mal a ninguém.
E pelas ruas se julgava
um ”Zé Mané”. Perdeu o chão, as raízes, o sentido da vida.
Não poderia mais beber com os amigos...cairia no
esquecimento?
Em vez da picanha, no máximo o bifezinho grelhado...sem sal e
mais nada.
Em vez do provolone à milanesa, um refogadinho de chuchu.
É de chorar.
Mas e os avanços da medicina. Cadê eles?
E o doutor: “Já
consegue incríveis façanhas...mas ainda não o impossível”.
Merda!
E, perdido em sua tragédia, tropeça em algo, na calçada. Era
uma espécie de lata.
Para seu pasmo, sai de dentro um gênio.
É, sim. Aquele gênio clássico: Turbante, narigão (denunciando sua origem), colete, e uma fumaça embaixo dele.
E vai dizendo:
“Às suas ordens,
mestre. Libertou-me, em troca concedo quantos desejos quiser.”
E o outro:
“Ah é! Então vai
anotando.
Quero dentes que não se
quebrem no duro, e não estraguem no açúcar.
Quero um estômago à
prova de úlceras.
Um par de pulmões que suportem prá lá de cinco maços por dia.
Figado à prova de
álcool, e de enjôos. Artérias
resistentes a depósitos de colesterol, rins, pâncreas e vesícula, acima de qualquer suspeita.
Intestinos à prova de
desarranjos e um fiofó de aço para agüentar o tranco.
É só isso o que desejo, senhor gênio.”
E o gênio:
“Só? Façanhas eu faço...mas o impossível tá
difícil.”
Aterrado o infeliz pergunta no máximo do ódio:
“E TREPAAAAAR, EU
POSSO????”
Desculpem, mas fiquei sem saber qual foi a resposta do gênio.