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Haroldo - Márcio Barker imagem retirada de http://migre.me/tmlDf |
Colega da faculdade, bom sujeito, porém do tipo bobão. Aéreo, distraído, parecia viver em outra dimensão. Crédulo, um típico inocente, sempre ´´certinho´´.
Não costumava ir aos encontros da rapaziada, evitava barzinhos, festinhas e, quando ia, ficava visivelmente deslocado, incomodado.
Namorou pouquíssimo, ´´casos´´ então, raros. Ficava vermelho e angustiado quando eu dizia:
´´Para de ser besta, tenta aproveitar a vida...em todos os sentidos...inclusive aquele, viu???´, ´ e era sempre nesse ponto que ele me interrompia, com raiva e cara fechada.
O coitado era do tipo recluso, discretíssimo. Foram poucas as experiências, digamos, mais íntimas, com o sexo oposto, tanto assim que, prá lá dos vinte anos teve problemas com a fimose.
Se formou, foi trabalhar, casou. Que pena, tão cedo! Enquanto eu estava por aí na farra, ele batalhava pela família.
Casado, se colocou em segundo plano. Nasceu a primeira filha, foi para terceiro, nasceu o filho, foi para o quanto plano.
Um dia eu o encontrei.
´´E daí, como anda a vida´´.
Prá variar, como bom paulistano veio com o velho e surrado chavão:
´´Muito trabalho, não tenho tempo prá nada, ando cansado..´´
Perguntei se não tinha tempo prá nada, e nem para o ´´inclusive´´. Ficou bravo:
´´Gosto da minha mulher´´.
E eu disse:
´´Sim, eu sei, tudo bem, mas nada impede...AH!AH!AH!´
Se enfureceu. Me perguntou se não tinha vergonha. Eu disse que não!. Aliás, fazia questão absoluta de não tê-la.
Por isso sempre fui alvo de cerradas censuras por parte de Haroldo.
É...mas as vida e suas armadilhas... Certo é aquele ditado que diz: ´´Dessa água não beberei´´.
Um dia o acaso colocou na frente do Haroldo, uma linda morena. Aliás, cá entre nós, também é o meu fraco.
Não houve jeito. O demônio o cutucava com tridente curto. O convidava a pecar com aquela mulher. Sussurava no ouvindo de Haroldo:
´´Vai, idiota, deixa de ser besta. Olha só o que apareceu na sua frente!!! Aproveita!!!´´
E, olhem que a mulher era linda, simpática, inteligente... enfim, como todas as mulheres!
Haroldo fez de tudo para resistir. Jurou, se revoltou, xingou, expulsou, reagiu, lutou...mas cedeu aos encantos da maravilhosa morena. Logo ele, o probo, o puro, o inocente, que até há pouco tempo teve problemas com a fimose, por falta de uso...
Após cada tarde de loucuras, gemidos, gritos, declarações, suores, ardores e ardumes, Haroldo se imaginava alvo de todo tipo de censura. Via olhos e dedos em riste o acusando. É...a consciência não perdoa. Principalmente a implacável consciência dos ditos ´´puros´´, não é verdade? Daqueles que se julgam acima de qualquer crítica. AH!AH!AH! Bem feito.
Haroldo se perdia no corpo daquela doce e demoníaca mulher. ´´Demoníaca´´ uma ova, apenas uma bela mulher. Se perdia em cada desvão, curva, reentrância. Se perdia e não fazia questão de se reencontrar. Navegava pelos lindos cabelos, explorava cada rincão daquele lindo corpo, com mão sudorentas e trêmulas. E agora? Pecava ou estava apenas vivendo as cores da vida?
Quando terminava, se colocava no patíbulo onde são executados os pecadores da pior espécie. Era um nojento, impuro, sujo, asqueroso. Era o que havia de pior. Um traidor que merecia o mais implacável castigos.
Chegava em casa. Mal olhava para os filhos, não tinha coragem. E quando a santa mulher o encarava, via no rosto a expressão de quem havia descoberto seus pecados horrendos.
Taquicardia, dor de cabeça, tremores, baixa temperatura nas extremidades. Espinha congelada, cabelos em arrepio. Pobre Haroldo.
Um dia, no máximo do desespero e da vergonha, se confessou comigo. E eu não hesitei em dizer:
´´Ótimo, Haroldo. Parabéns! Finalmente, heim? É isso aí. Temos que comemorar. E sem problemas na fimose?´´
Me olhou com desprezo. E, seco, disse: ´´Você não presta! Não vale nada!´´
Eu, né? Não liguei, e o aconselhei: ´´Se um dia você for pego, lembre-se: negue. Negue sempre, em alto e bom som. Se pegarem você na cama com outra, negue: Quem é? Não conheço. Tive uma ausência. AH!AH!AH!AH!´´
Um dia pegaram. O cretino resolveu levar um sabonetezinho do motel, como lembrança.
´´HAROOOOLDOOO!!!´´
Gelou!!!
´´O QUE É ISSO QUE ESTAVA NA SUA CARTEIRAAAAAA???´´
A pobre mulher foi pegar um trocado para dar ao filho que ia à escola. Achou o sabonetezinho!!!
E aos berros, prosseguiu:
´´Só por curiosidade, seu canalha, vagabundo, e safado. . ONDE FOI QUE CONSEGUIU ESSE SABONETE???´´
O tal sabonete chamava-se ´´Tara´´. Claro, coisa que não combinava com o Haroldo.
E o ´´carrasco´´ prossegue:
´´Então, com o quê, heim? O santificado homem anda escorregando, não é? Falso, tarado, sem vergonha, cretino, traidor, don Juan, malandro, mau-caráter, libertino, canalha, vagabundo, safado e , metido a sedutor!!!´´ (se bem que ´´metido´´, não, sedutor mesmo!!!)
Pobre Haroldo. Vivia a antítese daquele seu mundo, no qual viveu desde menino. Fico imaginando até hoje, porque não usou aquele argumento meu, do ´´negar sempre´´. Bem, ele nunca foi imaginativo.
Coitado, mas conseguiu safar-se, graças a um enfarte fulminante. Eu entendi, para ele foi mais rápido, objetivo e prático... não seria capaz de viver num mundo, sem o chão que ele imaginou.
´´Pecar´´? ou não ´´pecar´´? Depende da interpretação de cada um do que é ´´pecar´´. Não é?????