terça-feira, 17 de outubro de 2017

Olhar de Despedida

                Olhar de despedida
Márcio Barker




Já são quase meia-noite, e lá estou eu sentado no banco da estação. Fico olhando à minha volta. Gente indo, gente chegando, gente ficando. Eu, estava nesse último grupo. Puxa, é tão chato ficar. Ir, apenas em sonhos.  Gostaria muito de ir.
No coração, aquele aperto, bem lá no fundo. É...eu já deveria estar acostumado, mas não me acostumo com algumas coisas. Uma delas, a separação.
Viro para o lado, e vejo um olhar direto sobre mim. O coração ficou mais apertado ainda. Era um olhar nitidamente triste. Tão triste quanto eu, e pelo mesmo motivo: a separação. Aquele olhar me tocou. Pela cabeça, passaram várias perguntas, de como evitar  a distância que já se anunciava.  Mas...às vezes estamos muito mais pra lá, do que desejamos, no íntimo.  Forte mesmo, é apenas um doce desejo. Um desejo nada mágico, pois se fosse, não haveria a separação. Mas, ao menos, aquele doce desejo me diz que nem sempre haverá aquela distância, que separa, que dá saudade, que incomoda, que é chata. A distância que provoca esse sentimento tão duplo: a saudade.
Saudade. Sentimento ambíguo. Se é doce lembramos de alguém distante, também e amargo pela ausência.
Dizem, e eu acredito, que a pior parte de uma separação, não é tanto para quem vai, mas para quem fica. E, serei eu quem ficará na plataforma daquela estação, vendo ela indo, bem prá lá de meu coração.
Eu vejo o seu olhar de tristeza. O que fazer com ele? O que fazer por ele?
Sabe? Nesse minuto,vejo como as palavras deixam a desejar. Pois diante desse seu olhar triste, só pude me calar. Dizer o que? As mesmas palavras rotas, burocráticas, de costume, apropriadas? Não! Impossível. Seriam poucas demais, pelo que sinto. Só pude me conformar, em retribuir,  a sua tristeza, com minha tristeza, também.  Foi o suficiente, pois foi entendida.
Mas, se aquele olhar de tristeza machucou, ele também provocou. Era o que faltava, para sobrepor a separação, a distância e a tristeza. Pois como você mesma diz: hoje nos separamos, mas nos encontraremos numa próxima vez.  E essa próxima vez pode estar alí, ó! Por que não? Sim, depois da separação, só resta o reencontro!

Foto: www.tumblr.com

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O Grande Vencedor

  

                                              O Grande Vencedor
                                        Marcio Barker          




     "Cansado de tanto teleco-teco? Ora, vote então em Cacareco." 

Eu era criança. Nossa, como faz tempo. Mas lembro bem.

1959. Ano de eleições para a câmara da cidade de São Paulo.
Bem, claro, logo vieram afoitos, como sempre, candidatos a eleição e reeleição.
Sim, cada qual com suas "mágicas" na ponta de língua. 
Haviam os bonitões, os simpáticos, os bem vestidos, ah, sim, também os malucos, os "revolucionários", os esfarrapados,  os "heróis".   Claro, todos, como sempre, bem dotados nas palavras. Enfim, aquele festival de demagogia. Mas, havia uma minoria de bem intencionados...minoria.
As idéias eram de espantar. "Vamos revolucionar a cidade de São Paulo, ela merece.". Bonito, nã??  .Mas surrado, já na época. Sim, meus amigos paulistanos, pois São Paulo é a "cidade que mais cresce no mundo", a  "cidade que não pode parar".
Vamos "fazer isso e aquilo e aquilo outro". Sim, e em 1959, já havia muito para fazer, e por fazer. Um dos vilões, já naquele tempo, era, claro, o trânsito caótico. Também o transporte urbano precário. Descia-se o pau, na tristemente célebre CMTC, a Companhia Municipal de Transportes Coletivos, com seus problemas eternos.  Lembro de um candidato que elegeu São Paulo, como a a capital dos buracos. Uma "buracolândia".
Não posso esquecer: já haviam enchentes.
Logo, instalou-se o borburinho próprio da época. Discurseira, promessas à rodo, o valente "que lutaria por você", denúncias de parte à parte. xingatórios, assim, por diante.
Me recordo, ainda, que naquela época, inauguraram o Zoológico da cidade. Aliás, uma ótima idéia, para o paulistano alternar o seu lazer, com o Aeroporto de Congonhas. Dizia-se na época, que Congonhas era a "praia dos paulistanos"!. Claro, pura maldade. (Confesso, fui muito nessa "praia", e gostava. Bem, afinal sou paulistano.)
Para a inuaguração, vieram muitas personalidades. Me recordo de uma em especial: Cacareco. Eu diria que Cacareco, recebeu um convite especialíssimo. Veio do Rio de Janeiro, carioca.
Cacareco era ímpar. Chamava a atenção pelo seu jeito tranquilo, caminhar pesado.  Sua calma, e postura reservada eram admiráveis. Não era de falar muito, preferia escutar. Sinal de inteligência, sem dúvida. 
Simpático, logo chamou as atenções. Não demorou, para surgirem convites para candidatar-se a vereança da cidade.  Depois de meditar, aceitou, para a felicidade de muitos  paulistanos descontentes.  Parece que Cacareco dispensou legendas. Preferiu ser  um candidato independente. E, posso estar enganado,  parecia o mais sincero,  entre os candidatos, pois nunca prometeu mundos e fundos.
Lembro, inclusive, de um jingle, mais ou menos assim: "Cansado de tanto teleco-teco? Ora, vote então em Cacareco."   Acho até que havia uma marchinha, no estilo carnavalesco. Começava assim: "Cacacarecoooo, oi...." Esquecido do resto.
Em torno de Cacareco, formou-se uma verdadeira cruzada, sim, porque já não se podia permitir os caminhos e descaminhos da política de então (Notem que já desde aquele tempo). 
Cacareco surgiu como algo novo, para combater o velho. Cacareco era a vitalidade, contra o imobilismo. E, sem dúvida, sua feição denotava um camarada sem ambições não recomendáveis.
Não lembro se participou de carreatas e debates. O jeito sóbrio o colocou à parte de confusões, falatório,  fogos, ofensas, xingatórios, falsas promessas. Cacareco era maior do que  tudo aquilo.
Foi afagado, bajulado, badalado,  procurado para coligações. Não! Isso não tinha  lugar, para a correção de Cacareco. Soube, como poucos, esquivar-se, e manter-se fiel a suas  intenções.
A chegada da eleição marcou a apoteose de Cacareco.
Na semana seguinte, veio a Marcha das Apurações. Cacareco isolado na ponta. Aquilo sim, era prestígio!!!  Resumindo: massacrou todos os adversários. Mais de 100.000 votos. Estava eleito!
Mas, dono de uma implacável alto-crítica, declinou ao seu posto, a vereança de São Paulo.
E, na minha cabeça de criança, veio algo, que Cacareco deixou. Sem dizer uma palavra, na tranquilidade de seu ser, na sua simplicidade, ele foi vitorioso, pois tornou-se num símbolo para os descontentes, os críticos, os cientes. Sem dúvida, Cacareco foi uma lição que deveria ter sido aprendida....mas que a estupidez não permitiu ser. 
Sabem? Cacareco está fazendo falta. Preferia que não estivesse...mas está!


P.S.: Cacareco era uma rinoceronte fêmea, nascida no Brasil, que foi emprestada pelo Zoo,  do Rio de Janeiro, para a inauguração do Zoológico Paulistano. E, de fato, ganhou a maior votação, nas eleições para a Cãmara Municipal, em 1959. 

Imagem saopauloinfoco.com.br