Naquele Boteco
Márcio Barker
Eu tinha uns cinco, sete
anos, mais ou menos. Já, naquela época, era uma formiga (ainda sou).
Doce era, e ainda é, comigo mesmo.
Corria até meu pai, e ia
dizendo: ''Pai, me dá um cruzeiro pra comprar bala''.
Lembro bem, dele metendo
a mão do bolso, e tirando aquela nota azul, de um cruzeiro, aquela que
tinha uma foto do almirante Tamandaré.
Eu pegava a nota, saia
correndo para comprar as adoráveis balas. Comprava num bar, do outro
lado da rua.
Eu morava no bairro da
Pompéia, na rua Raul Pompéia. O bar ficava numa das esquinas de
minha rua.
Eu entrava lá, ia direto ao balcão, e dizia todo entusiasmado: ''Seu Zé, me dá um
cruzeiro de balas!''.
Ele abria o imenso
baleiro, já sabia de cor, e salteado, quais eram as minhas
preferidas: de mel ou de leite. Principalmente
as de mel. Como eram gostosas!!!
E,
antes de voltar pra casa, já abria, a primeira das dez balas.
Eu era
pequeno, mas vivia olhando tudo a minha volta.
Aquele
bar, seguindo a regra, era de esquina. Sempre barulhento.
Sentados
nas mesas de madeiras, a turma tomava aquela cervejinha, com gosto.
Alias, nunca entendi porque as pessoas gostam de cerveja, é amarga!
Tinham
alguns camaradas, que pediam uma ''dose''. Outros pediam um tal de
''traçado''. Seu Zé pegava uma garrafa, com um bico de metal torto,
e ia servindo, naqueles copos pequenos, de fundo grosso. Engraçado,
alguns dos fregueses, antes de tomar, jogavam um pouco da bebida no
chão. Diziam que era ''pro santo''.
Num
canto, uma mesa de bilhar. Junto com o ruído das bolinhas se
batendo, risadas, reclamações, desafios, bravatas.
Numa
das mesas, não faltava um camarada solitário, com olhar perdido. Eu
ficava intrigado. O que ele fazia ali, no meio de tanta gente,
calado, e só???
Às
vezes dava para escutar partes de conversas. Um cara dizia, tampando
o bocal do telefone (do bar): ''Bem, vou
fazer hora extra, hoje tem muito trabalho, aqui no escritório''.
Já o
outro, levantava pragejando contra o relógio.
''Onde
vai?'', perguntavam. ''Prá casa'', respondia, ''olha a hora, depois a
mulher...já sabe''.
Discussão
sobre futebol, era o normal. Eu nunca liguei para futebol, acha
estranho tanto falatório sobre ele.
Enquanto
isso, o seu Zé me parecia um padre
confessor.
''Pois
é, seu Zé, tô devendo pro fulando, não sei como pagar, e agora?''
E lá
ia o seu Zé dando sugestões, pedindo calma.
O
outro encostava no balcão, pra reclamar da vida, com o seu Zé. Que
as coisas estavam assim, e assado, os filhos, a mulher, etc &
tal...enfim.
E
outro se congratulava porque estava saindo de férias.''Graças
a Deus!''
Tinha
aquele que já não sabia de onde tirar dinheiro, pois apesar de ser
o dia quinze, o salário já tinha ido. O mês era mais comprido, do
que a grana.
De
repente, silêncio absoluto. Explica-se, era a Dondoca, dona de coxas
ímpares que estava passando em frente ao bar. Naquele momento, falava-se apenas em pensamento, com
olhares de lobo. Até eu, tão pequeno, mas já com alguma
precocidade, também olhava para a Dondoca, já tendo alguma ideia de seus atributos físicos.
''Menino,
deixa de ser tarado'', observou um
atento seu Zé. (Depois, a experiência me ensinou a desfaçar a
''taradagem''.)
No
balcão, aquela vitrine repleta de ''pecados”: Pastéis,
torresmos, salcichas em uns molhos marrons, empadas, molhos vários,
maionese, tinha ainda uns ovos vermelhos, verdes azuis. Na minha
inocência de garoto, ficava imaginando que as cores correspondiam das
galinhas que os haviam botado. Aliás, confesso,faz relativamente pouco
tempo, que cheguei a conclusão que não era bem isso. Sério.
AH,
sim. Também tinham doce de leite, cocada branca, marron, pão doce
e o diabo a quatro. Me contaram, que muitos dos petiscos era a mulher
do seu Zé que fazia.
Um
dia, admirando particularmente os doces de leite, o seu Zé me
ofereceu um. Mas e o dinheiro? ''Não,
garoto, estou dando a você''. PUXA
VIDA!!!! Nunca esqueci daquele doce de leite.
Num
canto, dois sujeitos cantarolavam, um deles, com um cavaquinho. Era
mais ou menos assim:
''Se
eu precisar algum dia / de ir pro batente/ não sei o que será/
Pois vivo na malandragem/ que vida melhor, não há/ Se eu precisar.
Poró – pó- póóóóóóó''
Mesmo
sem entender, acho que por instinto, eu compreendia...e gostava.
Piadas não faltavam. E o grande personagem era o Getúlio Vargas.
Foi
naquele bar, que vi pela primeira vez uma televisão. Imagine,
passava um filme dentro daquela caixa. Vi o seu Zé afixando a TV, na
parede. Lembro bem, era um filme do Chaplin, como bombeiro, num
incêndio. Eu fiquei impressionadíssimo.
Olhares
e sorrisos perdidos, barbas por fazer, dedos tamborilando nas mesas,
rostos olhando o chão, cigarros no canto da boca, fumaceira, mais uma cerveja
que é aberta. E, o seu Zé entre as mesas, recolhendo garrafas e
copos vazios.
Lembro
que um dia chegou um sujeito bem vestido. Saiu de um carro bem
antigo, e eu perguntei a ele: '' É
Ford, ou Chevrolet?''.
E ele
respondeu com outra pergunta:
''E
você, é homem ou mulher?''
Confesso
que só muito recentemente, entendi o que ele quis dizer. Claro, o carro era
um Ford. Aliás, nada a estranhar, pois jamais acertei a resposta
correta, da velha questão que meu pai me fazia. Era sobre a cor do cavalo
branco, de Napoleão.
''É
verde!
Não!
Já
sei, azul!
Nâo!!!
Preste a atenção!!! Qual é a cor do cavalo BRAN-CO, de
Napoleãããããooooooo????
Roxo!!!''
Pobre
do meu pai, hoje entendo porque foi sempre tão condecendente comigo.
Nisso,
vejo do outro lado da rua, a carranca da minha mãe, e alguém que
toca meu ombro. Era justamente o meu pai.
''Márcio,
o que você está fazendo aqui, até agora???''
Daí
eu percebi que já estava na oitava bala...
Outro
dia passei na rua Raul Pompéia. Vocês acreditam que o bar ainda
está lá?
Detalhe,
não sei o nome...mas ele, o bar, ficou na minha memória.
imagem pinterest.ca