terça-feira, 24 de julho de 2018

Naquele Boteco


Naquele Boteco
Márcio Barker


Eu tinha uns cinco, sete anos, mais ou menos. Já, naquela época, era uma formiga (ainda sou). Doce era, e ainda é, comigo mesmo.
Corria até meu pai, e ia dizendo: ''Pai, me dá um cruzeiro pra comprar bala''.
Lembro bem, dele metendo a mão do bolso, e tirando aquela nota azul, de um cruzeiro, aquela que tinha uma foto do almirante Tamandaré.
Eu pegava a nota, saia correndo para comprar as adoráveis balas. Comprava num bar, do outro lado da rua.
Eu morava no bairro da Pompéia, na rua Raul Pompéia. O bar ficava numa das esquinas de minha rua.
Eu entrava lá, ia direto ao balcão, e dizia todo entusiasmado: ''Seu Zé, me dá um cruzeiro de balas!''.
Ele abria o imenso baleiro, já sabia de cor, e salteado, quais eram as minhas preferidas: de mel ou de leite. Principalmente as de mel. Como eram gostosas!!!
E, antes de voltar pra casa, já abria, a primeira das dez balas.
Eu era pequeno, mas vivia olhando tudo a minha volta.
Aquele bar, seguindo a regra, era de esquina. Sempre barulhento.
Sentados nas mesas de madeiras, a turma tomava aquela cervejinha, com gosto. Alias, nunca entendi porque as pessoas gostam de cerveja, é amarga!
Tinham alguns camaradas, que pediam uma ''dose''. Outros pediam um tal de ''traçado''. Seu Zé pegava uma garrafa, com um bico de metal torto, e ia servindo, naqueles copos pequenos, de fundo grosso. Engraçado, alguns dos fregueses, antes de tomar, jogavam um pouco da bebida no chão. Diziam que era ''pro santo''.
Num canto, uma mesa de bilhar. Junto com o ruído das bolinhas se batendo, risadas, reclamações, desafios, bravatas.
Numa das mesas, não faltava um camarada solitário, com olhar perdido. Eu ficava intrigado. O que ele fazia ali, no meio de tanta gente, calado, e só???
Às vezes dava para escutar partes de conversas. Um cara dizia, tampando o bocal do telefone (do bar): ''Bem, vou fazer hora extra, hoje tem muito trabalho, aqui no escritório''.
Já o outro, levantava pragejando contra o relógio.
''Onde vai?'', perguntavam. ''Prá casa'', respondia, ''olha a hora, depois a mulher...já sabe''.
Discussão sobre futebol, era o normal. Eu nunca liguei para futebol, acha estranho tanto falatório sobre ele.
Enquanto isso, o seu Zé me parecia um padre confessor.
''Pois é, seu Zé, tô devendo pro fulando, não sei como pagar, e agora?''
E lá ia o seu Zé dando sugestões, pedindo calma.
O outro encostava no balcão, pra reclamar da vida, com o seu Zé. Que as coisas estavam assim, e assado, os filhos, a mulher, etc & tal...enfim.
E outro se congratulava porque estava saindo de férias.''Graças a Deus!''
Tinha aquele que já não sabia de onde tirar dinheiro, pois apesar de ser o dia quinze, o salário já tinha ido. O mês era mais comprido, do que a grana.
De repente, silêncio absoluto. Explica-se, era a Dondoca, dona de coxas ímpares que estava passando em frente ao bar.  Naquele momento, falava-se apenas em pensamento, com olhares de lobo. Até eu, tão pequeno, mas já com alguma precocidade, também  olhava para a Dondoca, já tendo alguma ideia de seus atributos físicos.
''Menino, deixa de ser tarado'', observou um atento seu Zé. (Depois, a experiência me ensinou a desfaçar a ''taradagem''.)
No balcão, aquela vitrine repleta de ''pecados”: Pastéis, torresmos, salcichas em uns molhos marrons, empadas, molhos vários, maionese, tinha ainda uns ovos vermelhos, verdes azuis. Na minha inocência de garoto, ficava imaginando que as cores correspondiam das galinhas que os haviam  botado. Aliás, confesso,faz relativamente pouco tempo, que cheguei a conclusão que não era bem isso. Sério.
AH, sim. Também tinham doce de leite, cocada branca, marron, pão doce e o diabo a quatro. Me contaram, que muitos dos petiscos era a mulher do seu Zé que fazia.
Um dia, admirando particularmente os doces de leite, o seu Zé me ofereceu um. Mas e o dinheiro? ''Não, garoto, estou dando a você''. PUXA VIDA!!!! Nunca esqueci daquele doce de leite.
Num canto, dois sujeitos cantarolavam, um deles, com um cavaquinho. Era mais ou menos assim:
''Se eu precisar algum dia / de ir pro batente/ não sei o que será/ Pois vivo na malandragem/ que vida melhor, não há/ Se eu precisar. Poró – pó- póóóóóóó''
Mesmo sem entender, acho que por instinto, eu compreendia...e gostava.
Piadas  não faltavam. E o grande personagem era o Getúlio Vargas.
Foi naquele bar, que vi pela primeira vez uma televisão. Imagine, passava um filme dentro daquela caixa. Vi o seu Zé afixando a TV, na parede. Lembro bem, era um filme do Chaplin, como bombeiro, num incêndio. Eu fiquei impressionadíssimo.
Olhares e sorrisos perdidos, barbas por fazer, dedos tamborilando nas mesas, rostos olhando o chão, cigarros no canto da boca,  fumaceira,  mais uma cerveja que é aberta. E, o seu Zé entre as mesas, recolhendo garrafas e copos vazios.
Lembro que um dia chegou um sujeito bem vestido. Saiu de um carro bem antigo, e eu perguntei a ele: '' É Ford, ou Chevrolet?''.
E ele respondeu com outra pergunta:
''E você, é homem ou mulher?''
Confesso que só muito recentemente, entendi o que ele quis dizer. Claro, o carro era um Ford. Aliás, nada a estranhar, pois jamais acertei a resposta correta, da velha questão que meu pai me  fazia.    Era sobre a cor do cavalo branco, de Napoleão.
''É verde!
Não!
Já sei, azul!
Nâo!!! Preste a atenção!!! Qual é a cor do cavalo BRAN-CO, de Napoleãããããooooooo????
Roxo!!!''
Pobre do meu pai, hoje entendo porque foi sempre tão condecendente comigo.
Nisso, vejo do outro lado da rua, a carranca da minha mãe, e alguém que toca meu ombro. Era justamente o meu pai.
''Márcio, o que você está fazendo aqui, até agora???''
Daí eu percebi que já estava na oitava bala...
Outro dia passei na rua Raul Pompéia. Vocês acreditam que o bar ainda está lá?
Detalhe, não sei o nome...mas ele, o bar, ficou na minha memória.

imagem pinterest.ca




quarta-feira, 18 de julho de 2018

Verso & Reverso


   Verso & Reverso
Márcio Barker





Na rua, o gato preto passa a frente,
e você muda de calçada.
Mas, sem pensar,
vai para o meio da avenida enlouquecida,
salvar o mesmo gato, perdido no meio da pista.
Não corresponde ao sorriso da moça bonita,
por medo do ciúmes ao seu lado.
Mas, não se importa a mínima, em sorrir e cumprimentar,
o funcionário humilde, apesar de estar em meio da finesse metida, impertenida, horrorosa.
Briga, opina, argumenta sem hesitar, e em alto e bom som,
para defender o direito que foi avilutado.
Mas, numa simples troca de opiniões,
não diverge da pessoa amiga,
pensando em não estremecer uma amizade.
Não hesita em ir contra a corrente.
Não liga se vão dizer isso, ou aquilo.
Diz o que pensa de modo cru.
Mas, hesita em comprar a camisa que gostou,
por causa da cor tida como demodè....tida...
Às vezes, pensa duas, três, quatro vezes antes de sair.
Falta coragem para ir, daqui até alí.
Mas nunca hesitou,
em arriscar o coração já sofrido,
com um novo amor, que está pra lá, do lado de lá!!!


Imagem - oxforddictionaries





sábado, 14 de julho de 2018

Que Medo!!!


Que medo!!!
Márcio Barker





Daí eu pergunto, sem meias palavras e direto, a você:
Acredita em fantasmas?
Não? Você deve ser daqueles que nunca, jamais,de jeito algum acredita nessas bobagens. Que sempre desacreditou...mas no fundo...acreditando! Não é? Confesse, nem que seja apenas para os seus botões, ou ao amigo de todas as noites, o travesseiro.
Então, você chega à noite em casa, e não tem ninguém. Todos viajaram, foram por aqui e ali. O fato, é que não tem viva alma, em sua casa...será? O que mais poderia ter, naquele momento???? Jà deve ter sido acossado por essa intrigante pergunta.
Apesar de ser uma pessoa econômica, que evita os desperdícios, misteriosamente, ''esquece'' de apagar as luzes de casa. Detalhe: todas, ou quase.
Vai dormir escapando, se escondendo, em pensamentos engraçados, antigos romances, coisas legais, do trabalho, dos amigos e/ou amigas (principalmente)...mas lá no fundo, os olhos ziguezagueantes, denunciam, preocupação. Ouvidos atentos, buscam no silêncio da noite, alguma coisa estranha.
Nossa! Que susto! Uma sombra!!! Que para o seu alívio profundo, nada mais era do que uma mariposa, dançando em sua luminária.
Por desencargo de consciência, você fecha a porta do quarto. Pior, passa também a chave.
Deita, vira para o lado. Depois, vira para o outro. Não sabe porque, não dorme. Engraçado, dívidas pagas, ainda um dinheirinho até o fim do mês, tudo em paz...mas não dorme!!! Por que será?
Faz da coberta, um escudo. Algo intransponível, ao pior dos demônios. Mas, sabe-se lá porque, antigas histórias da vovó, voltam à tona...com muita força.HIstórias como aquela de passos de invisíveis, no meio do caminho, ou da fantástica e inacreditável mula sem cabeça, que solta fogo pelos olhos!!!
Você se encolhe na cama, com a desculpa esfarrapada, de que está com frio (apesar do verão).
Nisso, você sente um leve toque nos seus cabelos!!! Ora, ora. Que besteira, não foi nada. É...mas sentiu um arrepio total. Mas logo passa. Quanta idiotice, ora, faça-me o favor.
Mas...o dedão, do pé direito, sente um leve resvalar...e você lembra da história de um braço, sim apenas um braço, que gosta de viver debaixo de camas...em quartos solitários, especialista e agarrar pés distraídos!!!
Ou então, um ser gosmento e peludo (aliás, da cor verde), que coincidentemente cisma de ficar debaixo da cama, quando você está só. Nisso, um estalar dentro do armário, denuncia algo, que irá sair correndo (e gritando), de dentro.
Seja sincero, o couro cabeludo arrepiou, não?
Na janela, há algo que está resvalando e, numa das paredes do quarto, um tenebroso e inexplicável ''tum-tum''.
Você levanta. Vai a cozinha tomar um copo de água. Tanto na ida a cozinha, quanto na volta ao quarto, você está certo de que está sendo acompanhado...mas por quem?
Resolve ligar a TV, mas não se concentra.
E se a porta da outra sala começar a abrir? Por vias das dúvida, você deixa aberta a porta da frente de sua casa, em caso de necessitar de uma rápida retirada para a rua.
De longe, escuta o uivo de um cão...desesperante.
Deita. Algo roça a sua nuca e, na orelha esquerda, um sussurro, acompanhado por um bafo.
Nisso, um ruído de surpresa na cozinha!!! Ora, vamos. É apenas a geladeira que ligou.
Desepêro total. ]Então, tenta se controlar, dizendo que é tudo uma vergonhosa fantasia, de um medroso.
Ah!!! Que bom, admitiu que é daqueles que não acredita...mas também não desacredita. Daqueles que gosta dessas histórias...mas morre de medo.
Suado, você ouve o distante canto do galo. Sente um certo alívio, pois o galo anuncia um novo alvorecer (a não ser que seja um galo afoito, tudo é possível).
Acabado, liquidado, esgotado, cansado, exaurído, você consegue chegar vivo, ao novo amanher. Que epopéia!!!!
A luz espanta todas as sombras que o angustiaram por toda uma noite.
Então, se espriguiça, suspira, respira...aquele alívio, acompanhado por um sorriso patético.
Mas...logo chegará outro por de sol, outra noite, com todos os monstros...e, tristemente, não sabe que o pior deles está dentro de você mesmo!!!
Har!har!har!har!har!harhar!har!har!har!harhar!har!har!har!har har!har!har!har!har!!!!!!  (RISADAS FANTASMAGÓRICAS)
Prepare-se!!!

Imagem - vrgamer.it