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Ode ao gato - Márcio Barker |
Eu não gostava. Achava antipático, ar superior, interesseiro, vago, escorregadio, sem graça, frio...enfim, um chato.
Discretamente eu mantinha distância, já que era essa a impressão que me passava. Jamais maltratei, ou fui deseducado. Apenas ignorava...não me aproximava.
Um dia, verdadeiro escândalo. Anunciaram a sua chegada, e justo em minha casa.
Não!!!! Esbravejei. Não quero não gosto, não simpatizo, não tolero. É ingrato, metido, falso, sem graça. E, imaginem, dizem por aí, que tem parte com o diabo, é amigo de bruxas e feiticeiros tenebrosos. Não! Definitivamente, não! Tá?
Foram em vãos meus protestos. Eis que um dia ele chega em casa. Todo lampeiro e à vontade. Indo daqui prá ali . De ali, prá cá, e sem pedir licença. Olhei com raiva para ele. Agora eu teria que dividir meu espaço, com aquele sujeito.
Espantava-me o seu temperamento “espaçoso” e leve. Despreocupado, ele ia ocupando todos os cantos da minha casa.
Será que aqueles grandes olhos chegavam a me perceber? Metido, se enfiava em todos os lugares, e curioso, queria estar a par de tudo. Não pedia licença, nem ao chegar, nem quando ia. Fazia o que dava na bola. Se eu o chamava, ele ia, se dizia que era para ficar aqui, ou ali, ele ficava lá e acolá. Hummm! Sujeito metido.
Ainda pequeno, se enfiava em lugares, que não devia. E lá ia eu tirá-lo. Despreocupado desaparecia, sem dizer aonde ia ou aonde estava. E, novamente lá ia eu procurá-lo, para saber se não tinha se metido em confusão. Não bastasse, quando me deitava, não raro aparecia por lá, e ficava nos meus pés. Coloquei-o para fora. Ficou me olhando tranquilamente e, igualmente tranqüilo, pulou novamente nos meus pés. Cansado, eu deixei.
Chegando em casa, não o via. Onde será que se meteu? Daí, surpreendia-me procurando o distinto. Nunca achava...era ele quem me encontrava. E, daí, se tornava minha sombra. E eu olhava para ele com mal bofes. Impressionava a força de sua presença silenciosa. Ah, sim. Sabia quando devia pedir o que comer. Não falei? Interesseiro! E, sei lá porque, quanto eu estava trabalhando em casa, o vagabundo dormia...mas nos meus pés. Um dia eu o chamei. Não veio. Tai! Malcriado também! Mas foram muitas às vezes em que eu não o chamei...e ele veio, e ficou comigo.
Era uma figura notável. O silencio de sua presença tinha algo de especial, não dava para ignorar, era eloquente! Não sabia o que havia, mas era especial. O rosto calmo e indecifrável parecia transmitir sabedoria. O olhar que parecia intimidador tornava-se dono da paz infinita. Mas quem é esse sujeito???
Um dia ele sumiu!!! É, assim sem mais nem menos. Mas como? Tá vendo? Ingrato! Daí me surpreendo, com esse pensamento: “Meu Deus, para onde terá ido? Onde estará? Será que o encontrarei? Será que voltará? Será que não o perderei?”
Em volta a tenebrosos pensamentos, buscando aqui e ali, de repente, sem mais nem menos, o vejo tranquilamente no alto do armário, olhando pacientemente para mim, em seu silêncio profundo. O que pensaria? Por que não anunciou sua presença?
Surpreendeu-me a alegria e felicidade que senti quando o vi. Ele não tinha ido, só estava ali, e eu não o vi. Estava me esperando como sempre fez, desde que chegou em minha casa. Que bom!!! Como fiquei feliz!!! Quem diria? Peguei-o no colo sorrindo. E ele, em toda a sua seriedade, de algum modo me transmitiu a recíproca da felicidade. Não estava claro, mas senti.
Daí percebi que não havia jeito. Sim, ele havia me conquistado pouco a pouco, sem que eu percebesse. Devagar, sem grandes demonstrações, não sei como, aquele camarada repleto de “entrelinhas”, deixou claro a sua amizade comigo.
Então já era tarde, não teve jeito, ficamos amigos para sempre. Grande sujeito aquele gato safado, que encho a boca para dizer que ele é, sim, “o meu grande amigo”.
E está lá em casa até hoje, já ha quase dez anos, e espero que por toda uma vida. É ele, “sir” Thomas, o gato.
2 comentários:
Sir Thomas Barker... definitivamente um gentleman.... genial sua narrativa... continue com elas.... amplexos caravalheiscos...
Muito legal Marcio, me fez relembrar a história do pequeno principe, na passagem com a raposa. Um abraço, Jimi Davi
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