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Batalha no elevador - Màrcio Barker |
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Homero. Faz tempo que dele, não
sei nada. Por onde andara? Ex-colega do trabalho, que virou amigo. Bom
sujeito, prestativo, competente, respeitava todo mundo, bom humor,
enfim, um cara acima da média.
Mas, Homero tinha um problema. E daí,
que não tem? Era de certa forma, um problemão: gases. Aliás, do tipo
inevitáveis. Até ganhou um título: “Rei do Metano”. Quanta maldade.
Tal
fatalidade rendia situações constrangedoras. Eram rodas de amigo que se
desfaziam, ou durante o almoço, gente que se levantava às pressas, sem
ter terminado a refeição, olhares furiosos de reprovação, etc &
tal. E tinham aqueles engraçadinhos, que pediam licença, e se afastavam
para acender um cigarro, alegando risco de explosão.
Eu tentava ser
compreensivo, mas tinha sempre à mão uma providencial caixa de fósforos.
Aliás, ótima solução para casos como esse.
“Por que não vai ao médico?” Disse que não tinha jeito. Nem os tais adsorventes de gases resolviam.
Recordo da última desventura do pobre Homero. “Última” que eu saiba.
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A
porta do elevador se abre. Homero entra apressadamente, e suspira feliz
por ser o único. Engano. Quase se fechando, as portas voltam a abrir.
Entram mais cinco ou seis.
Início da angústia.
A tarefa seria árdua, pois dos cinqüenta andares do prédio, parece que Homero iria até o quadragésimo segundo...
O
elevador parte, tranqüilo, silencioso, macio. Quem sabe características
nada desejáveis para o nosso pobre personagem. Ele se conhecia...como
conhecia os riscos.
Ao contrário de ir direto até o vigésimo, por
exemplo, devido a manutenção de outro elevador, aquele fazia suas
viagens ao estilo “piga-pinga”. “Quinto”, “sétimo”, “décimo primeiro”, e
assim por diante. Às vezes, o sádico do elevador emendava sete ou oito
andares em paradas seguidas. Puxa! É duro só de imaginar.
Em meio a
gotas de suor (do tipo frio, típico de casos como esse), Homero divisava
seus companheiros de viagem. Altos executivos, extraordinariamente
engomados, barba impecável, bem escanhoada, gravata quem sabe italiana.
Os sapatos de cromo alemão, terno de casimira inglesa, enfim, aquele
padrão que já sabemos. Ao lado, levavam a tira-colo moçoilas bem mais
jovens, todas emperiquitadas, quem sabe secretárias...ou quem sabe
sei-lá-o-quê, não vem ao caso.
Ah, sim. Não faltavam aquelas
senhoras impecavelmente trajadas (não digo “vestidas”, eram “trajadas”
mesmo), maquiadas, unhas feitas, penteados acrobáticos, broches,
pulseiras, anéis, correntes etc & tal, verdadeiras árvores de Natal.
Algumas já meio desgastadas, outras até que desejáveis (confesso que
adoro uma “coroa”). Algumas com olhar severo, do tipo “deixa que eu
chuto”, ou com aquele o olhar com a cor do desprezo pelo mundo. Ou
ainda aquelas ditas, ou de fato carolas com olhares do tipo
“doce-aguado”.
Mas Homero não estava interessando nem nas gostosas. O
seu único fim, seu desejo máximo, seu ardor extremo, era chegar ao
quadragésimo segundo maldito andar do cacete!!! Só isso, nada mais. Não
era pedir muito, que custava aquele puto daquele cretino, daquela merda
de elevador do cassete, chegar lá! Filha da...Antes de terminar, outra
parada: “décimo sexto”.
O olhar de um náufrago dentro daquela
maldita caixa de aço escovado e luzes fosforescentes, fitava os
desgraçados dos malditos numerozinhos iluminados, que marcavam cada
desgraçado andar pelo qual, a merda daquele elevador passava.
Coitado, desculpem tanta coisa chula, mas não dá para descreve de fato, a odisséia de Homero.
Ao
chegar ao trigésimo, Homero era uma pálida e surrada sombra humana. Um
farrapo. A pressão arterial deveria estar nas alturas. Aliás, a mistura
de tantos odores de diferentes loções (de barba ou corporal),
perfumes, fora os desodorantes (inclusive os do tipo “íntimo”),
contribuíam, em muito, para a desestabilização física e emocional de
meu amigo. Estava já, perdendo o autocontrole, o autoconhecimento, a
bravura, em lidar contra o poderoso inimigo que guardava, e se avolumava
dentro de si.
Por outro lado não poderia deixar de pensar em outra
coisa: abençoado esfíncter!!! Sim! A ele rendia todos os seus
agradecimentos, ao menos até aquele momento, por sua conduta impecável.
Suplicava que permanecesse firme, solidário, convicto em sua tarefa, a
qual lhe foi atribuída.
Mas o duro é que ainda...estávamos onde? Ah,
sim no trigésimo. Faltavam, pois, pelas suas contas, mais doze
andares...naquele elevador de andar macio, tranqüilo e silencioso.
O
desespero e o destempero começam a tomar conta de Homero, normalmente um
homem cordial. Próximo a porta, ele estava sujeito a todo o tipo de
empurrões, seja por cotovelos, ombros e até joelhos. Passou então, a
revidar, situação que provocou alguns olhares irritados, os quais sequer
deu conta.
A situação era desesperante. Um rompimento, um escorregão, um desequilíbrio, e uma explosão estava por vir.
O
pior, é que por momentos a pressão era mortal, insuportável,
praticamente impossível de resistir, parecia que a batalha estava
perdida. Porém o esfíncter estava lá, garboso, heróico, imperturbável,
batalhador. Sim! Como o último homem, da última trincheira, ele não
abandava o posto. Lutaria até a última bala.
Mas...fraquejou e titubeou no trigésimo nono...
Dias
depois li uma notinha, num jornal. Dizia assim: “Terror, tumulto, desespero e desordem no trigésimo nono andar, do edifício tal.” E
completava: “O elevador do dito edifício, repleto de pessoas, foi
abalado....blá, blá, blá”. Vou poupá-los, pois a imaginação é fértil.
Nunca mais soube do meu amigo Homero. Por onde andará? Terá sobrevivido?