sexta-feira, 5 de abril de 2013

Batalha no elevador

Batalha no elevador - Màrcio Barker

Homero. Faz tempo que dele, não sei nada. Por onde andara? Ex-colega do trabalho, que virou amigo. Bom sujeito, prestativo, competente, respeitava todo mundo, bom humor, enfim, um cara acima da média.
Mas, Homero tinha um problema. E daí, que não tem? Era de certa forma, um problemão: gases. Aliás, do tipo inevitáveis. Até ganhou um título: “Rei do Metano”. Quanta maldade.
Tal fatalidade rendia situações constrangedoras. Eram rodas de amigo que se desfaziam, ou durante o almoço, gente que se levantava às pressas, sem ter terminado a refeição, olhares furiosos de reprovação, etc & tal. E tinham aqueles engraçadinhos, que pediam licença, e se afastavam para acender um cigarro, alegando risco de explosão.
Eu tentava ser compreensivo, mas tinha sempre à mão uma providencial caixa de fósforos. Aliás, ótima solução para casos como esse.
“Por que não vai ao médico?” Disse que não tinha jeito. Nem os tais adsorventes de gases resolviam.
Recordo da última desventura do pobre Homero. “Última” que eu saiba.
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A porta do elevador se abre. Homero entra apressadamente, e suspira feliz por ser o único. Engano. Quase se fechando, as portas voltam a abrir. Entram mais cinco ou seis.
Início da angústia.
A tarefa seria árdua, pois dos cinqüenta andares do prédio, parece que Homero iria até o quadragésimo segundo...
O elevador parte, tranqüilo, silencioso, macio. Quem sabe características nada desejáveis para o nosso pobre personagem. Ele se conhecia...como conhecia os riscos.
Ao contrário de ir direto até o vigésimo, por exemplo, devido a manutenção de outro elevador, aquele fazia suas viagens ao estilo “piga-pinga”. “Quinto”, “sétimo”, “décimo primeiro”, e assim por diante. Às vezes, o sádico do elevador emendava sete ou oito andares em paradas seguidas. Puxa! É duro só de imaginar.
Em meio a gotas de suor (do tipo frio, típico de casos como esse), Homero divisava seus companheiros de viagem. Altos executivos, extraordinariamente engomados, barba impecável, bem escanhoada, gravata quem sabe italiana. Os sapatos de cromo alemão, terno de casimira inglesa, enfim, aquele padrão que já sabemos. Ao lado, levavam a tira-colo moçoilas bem mais jovens, todas emperiquitadas, quem sabe secretárias...ou quem sabe sei-lá-o-quê, não vem ao caso.
Ah, sim. Não faltavam aquelas senhoras impecavelmente trajadas (não digo “vestidas”, eram “trajadas” mesmo), maquiadas, unhas feitas, penteados acrobáticos, broches, pulseiras, anéis, correntes etc & tal, verdadeiras árvores de Natal. Algumas já meio desgastadas, outras até que desejáveis (confesso que adoro uma “coroa”). Algumas com olhar severo, do tipo “deixa que eu chuto”, ou com aquele o olhar com a cor do desprezo pelo mundo. Ou ainda aquelas ditas, ou de fato carolas com olhares do tipo “doce-aguado”.
Mas Homero não estava interessando nem nas gostosas. O seu único fim, seu desejo máximo, seu ardor extremo, era chegar ao quadragésimo segundo maldito andar do cacete!!! Só isso, nada mais. Não era pedir muito, que custava aquele puto daquele cretino, daquela merda de elevador do cassete, chegar lá! Filha da...Antes de terminar, outra parada: “décimo sexto”.
O olhar de um náufrago dentro daquela maldita caixa de aço escovado e luzes fosforescentes, fitava os desgraçados dos malditos numerozinhos iluminados, que marcavam cada desgraçado andar pelo qual, a merda daquele elevador passava.
Coitado, desculpem tanta coisa chula, mas não dá para descreve de fato, a odisséia de Homero.
Ao chegar ao trigésimo, Homero era uma pálida e surrada sombra humana. Um farrapo. A pressão arterial deveria estar nas alturas. Aliás, a mistura de tantos odores de diferentes loções (de barba ou corporal), perfumes, fora os desodorantes (inclusive os do tipo “íntimo”), contribuíam, em muito, para a desestabilização física e emocional de meu amigo. Estava já, perdendo o autocontrole, o autoconhecimento, a bravura, em lidar contra o poderoso inimigo que guardava, e se avolumava dentro de si.
Por outro lado não poderia deixar de pensar em outra coisa: abençoado esfíncter!!! Sim! A ele rendia todos os seus agradecimentos, ao menos até aquele momento, por sua conduta impecável. Suplicava que permanecesse firme, solidário, convicto em sua tarefa, a qual lhe foi atribuída.
Mas o duro é que ainda...estávamos onde? Ah, sim no trigésimo. Faltavam, pois, pelas suas contas, mais doze andares...naquele elevador de andar macio, tranqüilo e silencioso.
O desespero e o destempero começam a tomar conta de Homero, normalmente um homem cordial. Próximo a porta, ele estava sujeito a todo o tipo de empurrões, seja por cotovelos, ombros e até joelhos. Passou então, a revidar, situação que provocou alguns olhares irritados, os quais sequer deu conta.
A situação era desesperante. Um rompimento, um escorregão, um desequilíbrio, e uma explosão estava por vir.
O pior, é que por momentos a pressão era mortal, insuportável, praticamente impossível de resistir, parecia que a batalha estava perdida. Porém o esfíncter estava lá, garboso, heróico, imperturbável, batalhador. Sim! Como o último homem, da última trincheira, ele não abandava o posto. Lutaria até a última bala.
Mas...fraquejou e titubeou no trigésimo nono...
Dias depois li uma notinha, num jornal. Dizia assim: “Terror, tumulto, desespero e desordem no trigésimo nono andar, do edifício tal.” E completava: “O elevador do dito edifício, repleto de pessoas, foi abalado....blá, blá, blá”. Vou poupá-los, pois a imaginação é fértil.
Nunca mais soube do meu amigo Homero. Por onde andará? Terá sobrevivido?

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