terça-feira, 4 de agosto de 2015

O Bóris




                                       O Bóris
                                                           Márcio Barker



Num dia chuvoso, vi esse camarada da foto se protegendo debaixo de uma laje. Dias depois cruzei com ele, em minha rua. Nunca o tinha visto. Seria de algum vizinho? Fiquei preocupado, quando voltei a vê-lo perambulando por ali e aqui.
Daí reparei: 
Maltratado, pelo surrado, desengonçado, manco, desbotado.
Sem destino?
Sim!
Então, por favor, entre. A casa é sua.
Aceitou o convite de bom grado...acho até, que de ótimo grado!
Era cardíaco, sobrevivente de um tremendo atropelamento, e com infecção urinária.
Tinha cara de bom sujeito. Meio calado e sossegado. Depois descobri que era por causa fome.
Veterinário, remédios, boa comida, água fresca, casinha, amizade e um belo osso.
Quer mais?
Já era idoso. Muitas foram as vezes que perguntei de onde veio. Discreto, nuca me respondeu. Entendi, vida sofrida. Além disso, as incontáveis cicatrizes no focinho, e na cabeça, falavam de muitas histórias.
Recuperado, mostrou-se um latidor de alto porte. Sua voz possante muitas vezes sofreu advertências minhas. Intolerante com os seus iguais, logo virava a mesa. Meteu-se em uma série de confusões, nas quais tive a oportunidade de participar como a ´´turma-do-deixa-disso´´.
AH, sim. Romântico, era dado a uivos. Não poucas vezes tive que, com tato, solicitar que se contivesse, pois estávamos em meio à alta madrugada. Mas eu entendia...ele nem tanto...
Olhos agradecidos, era um gentleman, pois comia educadamente, sem afobação. Mas com ódio, expresso pelos dentes arreganhados, fazia de tudo para que eu não desse suas medicações diárias.
Fortão e troncudo, caminhava pesadamente, com calma. E, íncrível, era o rabo girando como hélice.
Sim. Era um vira-lata. Mas um vira-latas da gema.
Da mais nobre casta da viralatísse, sim senhor, e graças a Deus.
Um camarada que achei na rua, que cuidei e que fui recompensado com uma grande amizade, com juros e correções, nesses últimos cinco anos.
Morreu ontem me deixando na saudade. Morreu como todos morremos, pois a maldita velhice o levou, como nos leva a todos.
Me conformar? Não sei. Mas vou sentir falta do latido poderoso e desafinado, do mau humor , dos uivos noturnos...enfim, saudades do Boris. O vira-latas sujo, doente e velho, que tirei da indigência das ruas, e que é hoje um nobre da mais alta estirpe, dentro de meu triste coração.

Nos veremos um dia, caro Boris. Tenha certeza. É isso aí.

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