quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Jacinto

            Jacinto
Márcio Barker


Era daquele tipo de menino adorável. Bonzinho, circunspecto, bem arrumadinho, penteadinho, estudioso, cordato, caladinho. Puxa!!! Jacinto era o que toda mãe, pai, avós, tios, tias sonhavam. Sim, um sonho de garoto. Perfeito!
A infância de Jacinto, foi uma infância de botar inveja , verdadeiros anos dourados. Mas...
É, o “mas” por vezes toma feições trágicas.
Continuando, uma infância perfeita, anos dourados, mas...até a puberdade.
Deve ter sido um pesadêlo, ao bonzinho, respeitador, circunspecto Jacinto, as surpresas inesperadas, que a nova etapa de vida, iria oferecer a ele.
Para contrariar seu modo de ser, a natureza o “presenteou” com algo inesperado, totalmente à parte da natureza do agora rapaz.
Não foram poucas as vezes que um simples traseiro feminino, mesmo que numa sofrível foto, produzisse uma revolução interna, com visíveis reflexos externos, na silhueta do rapaz. Ainda mais, façamos um parênteses, nos tempos das calças de tergal, de cortes mais amplos. Assim sendo, não era raro “levantar a 'tenda”, como se dizia na época.
Desacostumado a tal manifestação, geralmente em hora, e lugar errado, vexadíssimo, aflitíssimo, taquicárdico, e sem ar, Jacinto teve que aprender, à força, a arte da camuflagem.
Não foram poucas as vezes que perguntaram, inclusive a mãe: “Jacintozinho, onde vai com esse jornal todo curvado?”. Ou então, a tia: “Jacintinho, o que você tem, aí no bolso da frente, de sua calça?”. Claro que era impossível corrigir a tia, pois no bolso ele não tinha nada...aliás, é bom que se diga,que essa sua tia era daquelas solteironas, ingênuas, que nunca tinha vista nada, não sabia de nada, nem pegado em nada, nem apalpado nada, nunca sentiu nada...compreensível, portanto, a pergunta.
Para o azar de Jacinto, sempre estudou em salas mistas, dividindo o espaço entre fogosos rapazes, e donzelas desejosas. Mas, para Jacinto, era um tormento. Bastava o olhar resvalar num joelho, ou no iniciozinho de coxas de alguma colega, pronto! Lá estava ele, o herói impávido, vigoroso, sedento, que desconhecia a sutileza, dada a voracidade e o interesse pelo assunto. Aliás, para o desespero de Jacinto.
O pior, era quando no meio dessa batalha, o professor o chamava para a lousa. Jacinto tinha ímpetos de pular a janela.
Pobre garoto. A sua natureza era maior do que ele. Não se sabe quantas vezes deve ter balbuciado: “Abaixa! Abaixa! Que merda! Abaixaaaaaaa, seu filha....”
O coitado passou passou a ser conhecido no colégio, e no bairro, como “Cabide”, com variações como “Tripe” e “Pé de mesa”.
Um dia, Jacinto foi convidado a ir a um baile. Sim, daqueles bailinhos juvenis, do tipo “mela cueca”, como se dizia na época.
Foi, mas ressabiado. Em meio a rocks mais ousados, e músicas românticas...daquelas que excitam a imaginação, Jacinto ficava num canto. Detalhe, de costas para o salão. Só falava com os amigos. Assim, evitava alguma visão mais provocante, ousada, que pudesse despertar o satânico gigante, do qual era dono. Aliás, conta-se que houveram alguns comentários embebidos de inveja, sobre essa característica do pobre (ou afortunado) Jacinto.
Mas voltemos ao baile. Em seu penteado perfeito, comportado, perfume discreto, por trás dos óculos que davam aquele aspecto do clássico bom menino, havia, na realidade, um taquicárdico Jacinto. Temia o seu pior pesadêlo, que acabou acontecendo, quando uma suave mão, pousou em seu ombro.
Pálido, ligeiras gotas de sudorese, tremor na voz e mãos, Jacinto estava sendo abordado por uma gentil donzela, entretanto mais ousada.
Aterrado, ele escuta: “Jacintinho, todo elegante. Dança comigo?”
Mal conseguiu balbuciar uma negativa. A voz trêmula e hesitante, junto com um par de olhos aterrorizados, descreviam Jacinto.
A sua palidez constratava com o rubro que envolvia o seu anti-herói, até à pouco aparentemente adormecido...aparentemente. Lego engano. Sim, porque aquele anti-herói parecia ter vida própria, personalidade bem diversa, da de Jacinto. Não havia diálogo, argumento, súplica, ameaça, conversa, que interferisse nos propósitos daquele alucinado demônio, que se escondia debaixo das próprias calças, do sereno Jacinto.
Mas voltemos ao baile novamente. Jacinto foi arrastado para o meio do salão. E, ali, diante dele, lá estavam aqueles cabelos longo, suaves, sedosos, delicadamente perfumados, roçando o seu rosto. Estavam também aqueles ombros...sim, que ombros!!! Delicados, pele clara, com ligeiros toques róseos, como que suplicando uma boca, uma língua, uns dentes. Pior, o roçar daqueles doces e, quem sabe ainda invictos seios erectos revelado pelo decote um pouco mais ousado, com um botão à mais “distraídamente” desabotoado. Aliás, igualmente perfumados.
Mas o suplício não se resumia a isso. Ainda poderia piorar. Sim! O roçar, nem sempre sutil, das coxas da donzela, da virilha da donzela, atiçando, provocando com vara curta, a natureza do rapaz. A natureza traduzida por um demônio que já estava despertando, apesar do suspensório atlético, com o qual, Jacinto imaginou contornar, numa situação como essa. Jacinto procurou pensar em outras coisas. Sim! Em desgraças. Lembrou da tia internado com pneumonia, na prova de matemática na semana seguinte, das férias que logo viriam. E...nada! Tudo em vão. O monstro não deu sinais de comedimento, ao contrário, cresceu, tomou volume, se avantajava, ganhava espaço cada vez mais!!!
E o baile, apesar de “mela cueca”, era tido como “de família”. Consequentemente, não demorou para que Jacinto fosse convidado a se retirar. Um escândalo! Logo ele, o bom menino, respeitador e educado. Mas ninguém, em sã consciência, acreditaria em sua inocência, que era apenas uma personagem secundária, naquela tragicomédia.
E teve de ouvir: “Que vergonha! Que falta de pudor! Que pena tenho dos pais desse menino. Cafajeste!Safado! Se aproveitando da pobre menina”
Cá entre nós, o pobre menina” foi, realmente engraçado.
O garoto passou sabe-se lá, quanto tempo, tentando domar, o indomável. Tentou meditação, diálogo, chegou a confessar o inconfessável, lutou, tentou controlar, se desesperou. Em meio ao célebre e eterno pedido: “Cacete!!! Abaixa! Abaixa! Por favor!!!) Pedido, diga-se de passagem, inútil, por ser sempre ignorado.
E o que terá sido feito do pobre Jacinto? O rapaz educado, comportado, penteadinho, cheiroso, bom menino, ingênuo.
Os anos passam para todos, inclusive para Jacinto. A vida trás contrastes, surpresas impensáveis, novidades nem sempre aguardadas, enfim, tudo passa. A vida trás também o reverso da medalha.
Como anda Jacinto? Quem sabe ainda suplicando. Sim as súplicas de fato devem continuar. Mas certamente no sentido inverso: “Sobe, seu filha da puta!!! Sooooobeee!”

Às vezes, a vida é um pouco injusta, não?

imagem: amazon

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Amanhã será um dia muito chato

             

  Amanhã será um dia muito chato
Márcio Barker

Dizem que o futuro a Deus pertence. Bem, não sou adivinho, nem nada disso, mas tenho certeza de que, amanhã será um dia muito chato
Mas por que?
Simples, porque  amanhã não terei as coisas simples que tenho hoje.
Não terei a graça, que tenho hoje.
Não terei as paisagens de hoje.
Não terei os sorrisos...
...e até as gargalhadas que dou e recebo hoje.
Amanhã, não terei a personagem de meus sonhos, diante de mim, como tenho hoje...
Amanhã, voltará novamente a ser...apenas um sonho.
Se hoje posso tocá-la.
Ouvi-la.
Vê-la.
Amanhã, será uma doce lembrança...
...doce sim, mas apenas uma lembrança.
Não irei vê-la,
Nem ouvi-la...
Nem tocá-la...
Puxa vida!!!
Mas que raiva!!
Amanhã, ela  será apenas uma miragem...
...na lembrança, nos sonhos, nas fantasias...
Que pena! Que pena!
Que pena mesmo!
Não estará mais diante de mim..
...nem ao meu lado...
Que dia muito chato será a amanhã!
Gostaria que não chegasse nunca...
...mas, amanhã sempre chega. Não tem jeito.
Entretanto, ao menos, amanhã, me trará algo. A possibilidade de sonhar com um dia, como  está sendo hoje...
...um novo hoje, igualzinho ao dia de hoje!
Ah, sim.  Afinal, amanhã não será tão chato assim.
Que bom!!!
(Petrópolis - 20/11/2017)

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Um Conto Azedo

             
 Um Conto Azedo
Márcio Barker




Comendo pão com sardinha, eu estava pensando.
Daí, você ''rala” pra burro.
Graduação e pós.
Fica mais fácil para o currículo?
É o que dizerm.
Mas fácil, ou não, um dia a gente consegue o emprego.
Daí você “rala” no trabalho.
Extrapola, horas extras, se esforça, batalha...
...e vai indo...indo
Então, um dia você casa, arranja filhos, e...
...tem que ''ralar'' mais.
Aliás, cá entre nós, a isso se chama de ''kit burrice''
Bem, até aí nada de mais.
Mas...(sempre cruel um ''mas'' no meio da história)
Dependendo de onde você nasceu...''ralar'' é pouco, para um pouco como recíproca.
Tava pensando.
Era ''cruzeiro'', depois ''cruzeiro novo''.
OH! maravilha, agora a coisa endireita.
Mas (outra vez ele)...não endireitou.
Veio outra ''mágica''. Ah, o ''cruzado''. Ora vejam.
Seria um verdaeiro cruzado para salvar a economia.
Mas logo mingou, e virou ''cruzado novo''.
Mas nem ele teve cacife.
Pois é, a coisa continuou desandada.
Logo depois voltou o ''cruzeiro'', que logo virou ''cruzeiro real''.
Aliás alguém disse que era muita realeza para tão pouco.
Depois, ficou só ''real''
E, nessa epopéia foram-se os sonhos e fantasias.
E, você olha pra trás, e vê perdidos seus melhores anos.
Se perderam em meio a incompetência.
Sua?
Talvez.
Talvez, por tem aceitado dançar conforme a música.
Talvez por ter se calado.
Talvez por não ter procurado outros horizontes mais justos.
Talvez por ter se resignado ao papel de um triste herói.
O triste herói que toureia as mazelas que impõem a você.
Talvez por ter errado na escolha.
E nesse ''talvez'', lá está a juventude perdida.
Os sonhos perdidos
As doces fantasias de chegar um dia naquele ''lá”.
Um ''lá'' que nunca viu, nem sentiu, porque nunca existiu.
O ''talvez'' levou você por labirintos tenebrosos, repletos de mosntros ameaçadores.
E hoje, resta se equilibrar num tênue fiapo de fio, para ver se sobrevive,ao labirinto e aos monstros, o que é muito diferente de viver naquele ''lá'', que você sonhou em sua doce e ingenua juventude.

É, pois é. Sem dúvida esse é um conto azedo...e bota azedo nisso.

Ah! Minha Abençoada!!!

                Ah, Minha Abençoada!!!
Márcio Barker



Outro dia divisei você, pra lá, de lá.
Foi numa segunda-feira. Nossa! Parecia tão distante, mal deu para ver você.
Senti pena...Sabia que faltava um tempão para nos encontramos.
Na terça, levantei meio desacorçoado. Que coisa, um mundão pela frente, a ser caminhado.
Bem, fazer o quê, não é? Pensei em você, como penso sempre. E logo veio a frase – ''Que pena, ainda tem tempo!''
A terça foi longa, um pouco melhor que a segunda, confesso.
Mas, ora vejam só. Na quarta levantei mais animadinho. É, sim. Olhei no espelho, e estava até mais corado, sem aquele descolorido de anteontem.
Melhor assim, mais ânimo para enfrentar, duelar, brigar, conquistar, correr, nesta quarta feira que está começando.
Sabe? Olhei pela janela. Puxa vida! Que quarta feira mais chata, feia, chuvosa, garoando, insosa, sem gosto. Deusmelivreguarde!!! Quem falava assim era meu pai. Juntava todas palavras, numa só. Eu admirava essa qualidade, aliás, confesso, nem sei bem o porquê, e se era qualidade.
Ahhhh! Na quinta as coisas amanhceram coloridas. Sabe por que, minha querida? Porque hoje é véspera de você, minha adorada sexta-feira!!!
Sabe? Eu gosto tanto de você que, já na quinta, levanto com excelente humor. Sim, minha querida, amada, adorada, imbatível, ímpar, inigualavel sexta-feira, você é única.
Declaro aqui, de público, o meu amor a você, aliás, eterno viu?
Sexta-feira adorável, quando os rostos dos heróis sofridos, do cotidiano triste, se reúnem nos bares, restaurantes, botequins, à volta daquela iguaria sagrada, nobre e imbatível, a pizza. E, bebendo aquele nectar, que dizem ser dos deuses, ela, a cerveja.
É quando as risadas, piadas, brincadeiras, bom humor, afogam, com requintes de crueldade, as mágoas, as preocupações, contas, saldos bancários e todo aquele inferno.
É na sexta-feira, quando o sol de põe que, nós, os sofridos guerreiros do dia a dia, esquecemos da tragédia da política deste país, é quando a carranca some, e os espíritos se irmanam em infinitos brindes. Quando o sorriso é fácil, e também ficam fáceis, infinitas lágrimas etílicas de alegria. É quando os corações se abrem e desabafam suas tristezas, expectativas e alegrias...até tolas.
É quando o coração bate mais forte, e nos lembramos de alguém a nossa espera, para nos amar...

Minha querida sexta-feira, eu adoro você!!!! 

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Vou Por Aí


Vou por aí
Márcio Barker





Sabem? Tem dias que eu gostaria de sair por aí.
Sem horário.
Sem destino,
Sem preocupação.
Serm nada...
...apenas com a cabeça leve...
e um sorriso, também leve.
Gostaria...
É, e como eu gostaria de mandar ao inferno, tanta coisa...
...e outras tantas coisas, mandar pra bem pra lá do mesmo inferno.
Gostaria de não saber das notícias nos jornais,
do zum-zum-zum,
do rádio,
ou da TV.
Gostaria de não saber que siclano ou beltrana, morreram
Gostaria de ser surdo a essas notícias.
Gostaria que, tanto o siclano, como a beltrana, viverão para sempre.
Gostaria...
Gostaria de parar naquele boteco, pequeno, simples, sujo, fumacento, meio nojento.
Boteco com bebuns, com  heróis anônimos do cotidiano.
Boteco dos desesperados, desesperançados, minguados, chateados, mas todos...
...bem humorados, animados, engraçados...onde tudo fica bem pra lá, de lá...
É...gostaria
Gostaria, e muito de ver o velho trem, cheirando a carvão, passar por aqui, e embarcar nele, pra bem longe! Prá nunca mais voltar...
Como eu gostaria...
Gostaria muito, sabe de que? De rasgar tudo que tenho, e atirar ao vento que me bate no rosto...como gostaria!
É, eu gostaria...
...é, gostaria, mas o trem já passou!
E o boteco, sumiu, em meio a minha pressa.
Gostaria de não ouvir notícias...
mas ouço!
Gostaria que amigos não morressem...
Mas morrem!
Gostaria de tantas coisas que estão bem pra lá, de lá.
Que pena...
E gostaria que minha revolta não ceda um milímetro...sim! Ela não cederá!
Gostaria, não! Tenho certeza!!!
Mas no fundo, no fundo...bem no fundo...
gostaria de estar com você...

Imagem - personalalternativo