Jacinto
Márcio Barker
Era daquele tipo de
menino adorável. Bonzinho, circunspecto, bem arrumadinho,
penteadinho, estudioso, cordato, caladinho. Puxa!!! Jacinto
era o que toda mãe, pai, avós, tios, tias sonhavam. Sim, um sonho
de garoto. Perfeito!
A infância de Jacinto,
foi uma infância de botar inveja , verdadeiros anos dourados. Mas...
É, o “mas” por vezes
toma feições trágicas.
Continuando, uma infância
perfeita, anos dourados, mas...até a puberdade.
Deve ter sido um
pesadêlo, ao bonzinho,
respeitador, circunspecto Jacinto,
as surpresas inesperadas, que a nova etapa de vida, iria oferecer a
ele.
Para contrariar seu modo
de ser, a natureza o “presenteou” com algo inesperado,
totalmente à parte da natureza do agora rapaz.
Não foram poucas as
vezes que um simples traseiro feminino, mesmo que numa sofrível
foto, produzisse uma revolução
interna, com visíveis reflexos externos, na silhueta
do rapaz. Ainda mais, façamos um parênteses, nos tempos das calças
de tergal, de cortes mais amplos. Assim sendo, não era raro
“levantar a 'tenda”, como se dizia na época.
Desacostumado a tal
manifestação, geralmente em hora, e lugar errado, vexadíssimo,
aflitíssimo, taquicárdico, e
sem ar, Jacinto teve que aprender, à
força, a arte da camuflagem.
Não foram poucas as
vezes que perguntaram, inclusive a mãe: “Jacintozinho, onde vai
com esse jornal todo curvado?”. Ou
então, a tia: “Jacintinho, o que você tem, aí no bolso
da frente, de sua calça?”.
Claro que era impossível corrigir a tia, pois no bolso ele não
tinha nada...aliás, é bom que se diga,que essa sua tia era daquelas
solteironas, ingênuas, que nunca tinha vista nada, não sabia de
nada, nem pegado em nada, nem apalpado nada, nunca sentiu
nada...compreensível, portanto, a pergunta.
Para o azar de Jacinto,
sempre estudou em salas mistas, dividindo o espaço entre fogosos
rapazes, e donzelas desejosas. Mas, para Jacinto, era um tormento.
Bastava o olhar resvalar num joelho, ou no iniciozinho
de coxas de alguma colega, pronto! Lá estava ele, o herói
impávido, vigoroso, sedento, que desconhecia a sutileza, dada a
voracidade e o interesse pelo assunto. Aliás, para o desespero de
Jacinto.
O pior, era quando no
meio dessa batalha, o professor o chamava para a lousa. Jacinto tinha
ímpetos de pular a janela.
Pobre
garoto. A sua natureza era maior do que ele. Não se sabe quantas
vezes deve ter balbuciado:
“Abaixa! Abaixa! Que merda! Abaixaaaaaaa, seu
filha....”
O coitado passou passou a
ser conhecido no colégio, e no bairro, como “Cabide”, com
variações como “Tripe” e “Pé de mesa”.
Um dia, Jacinto foi
convidado a ir a um baile. Sim, daqueles bailinhos juvenis, do tipo
“mela cueca”, como se dizia na época.
Foi, mas ressabiado. Em
meio a rocks mais ousados, e músicas românticas...daquelas que
excitam a imaginação, Jacinto ficava num canto. Detalhe, de costas
para o salão. Só falava com os amigos. Assim, evitava alguma visão
mais provocante, ousada, que pudesse despertar o satânico gigante,
do qual era dono. Aliás, conta-se que houveram alguns comentários
embebidos de inveja, sobre essa característica
do pobre (ou afortunado) Jacinto.
Mas voltemos ao baile. Em
seu penteado perfeito, comportado, perfume discreto, por trás dos
óculos que davam aquele aspecto do clássico bom menino, havia, na
realidade, um taquicárdico
Jacinto. Temia o seu pior
pesadêlo, que acabou
acontecendo, quando uma suave mão, pousou em seu ombro.
Pálido, ligeiras gotas
de sudorese, tremor na voz e mãos, Jacinto estava sendo abordado por
uma gentil donzela, entretanto mais ousada.
Aterrado, ele escuta:
“Jacintinho, todo elegante. Dança comigo?”
Mal conseguiu balbuciar
uma negativa. A voz trêmula e hesitante, junto com um par de olhos
aterrorizados, descreviam Jacinto.
A sua palidez constratava
com o rubro que envolvia o seu anti-herói, até à pouco
aparentemente adormecido...aparentemente. Lego engano. Sim, porque
aquele anti-herói parecia ter vida própria, personalidade bem
diversa, da de Jacinto. Não havia diálogo, argumento,
súplica, ameaça, conversa, que interferisse nos propósitos daquele
alucinado demônio, que se escondia debaixo das próprias calças, do
sereno Jacinto.
Mas voltemos ao baile
novamente. Jacinto foi arrastado para o meio do salão. E, ali,
diante dele, lá estavam aqueles cabelos longo, suaves, sedosos,
delicadamente perfumados, roçando o seu rosto. Estavam também
aqueles ombros...sim, que ombros!!! Delicados, pele clara, com
ligeiros toques róseos, como que suplicando uma boca, uma língua,
uns dentes. Pior, o roçar daqueles doces e, quem sabe ainda invictos
seios erectos revelado pelo decote um pouco mais ousado, com um botão
à mais “distraídamente”
desabotoado. Aliás, igualmente perfumados.
Mas o suplício não se
resumia a isso. Ainda poderia piorar. Sim! O roçar, nem sempre
sutil, das coxas da donzela, da virilha
da donzela, atiçando, provocando com vara curta, a natureza do
rapaz. A natureza traduzida por um demônio que já estava
despertando, apesar do suspensório atlético, com o qual, Jacinto
imaginou contornar, numa situação
como essa. Jacinto procurou pensar em outras coisas. Sim! Em
desgraças. Lembrou da tia internado com pneumonia,
na prova de matemática na semana seguinte, das férias que logo
viriam. E...nada! Tudo em vão. O monstro não deu sinais de
comedimento, ao contrário, cresceu, tomou volume, se avantajava,
ganhava espaço cada vez mais!!!
E o baile, apesar de
“mela cueca”, era tido como “de família”. Consequentemente,
não demorou para que Jacinto fosse convidado a se retirar. Um
escândalo! Logo ele, o bom
menino, respeitador e educado. Mas ninguém, em sã consciência,
acreditaria em sua inocência, que era apenas uma personagem
secundária, naquela tragicomédia.
E
teve de ouvir: “Que vergonha! Que falta de pudor! Que
pena tenho dos pais desse menino. Cafajeste!Safado!
Se aproveitando da pobre menina”
“Cá entre nós, o
pobre menina” foi, realmente engraçado.
O garoto passou sabe-se
lá, quanto tempo, tentando domar, o indomável. Tentou meditação,
diálogo, chegou a confessar o inconfessável, lutou, tentou
controlar, se desesperou. Em meio ao célebre e eterno
pedido: “Cacete!!! Abaixa! Abaixa! Por favor!!!) Pedido,
diga-se de passagem, inútil, por
ser sempre ignorado.
E o que terá sido feito
do pobre Jacinto? O rapaz educado, comportado, penteadinho,
cheiroso, bom menino, ingênuo.
Os anos passam para
todos, inclusive para Jacinto. A vida trás contrastes, surpresas
impensáveis, novidades nem
sempre aguardadas, enfim, tudo passa. A vida trás também o reverso
da medalha.
Como anda Jacinto? Quem
sabe ainda suplicando. Sim as
súplicas de fato devem continuar. Mas certamente no sentido
inverso: “Sobe, seu filha da puta!!! Sooooobeee!”
Às vezes, a vida é um
pouco injusta, não?
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