quinta-feira, 31 de maio de 2018

Profissão - Anjo da Guarda


Profissão – Anjo da Guarda
Márcio Barker




Sabe de uma coisa?
Eu queria, muito, ser o seu anjo da guarda.
Poderia ser até com bata, asas e auréola.
Mas prefirira a discrição.
Bastava se eficiente.
Por exemplo, segurar a sua mão quando atravessa uma rua.
Ou espantando mosquitos, enquanto dorme.
Ou, até rebatendo balas perdidas.
Sim! Haja eficência!
Queria ser o seu anjo da guarda a noite, enquanto janta só.
Daí ofereceria minha companhia, mesmo que invisível....mas estaria ali, pertinho de você.
Ou quando, sei lá por qual motivo, e hajam motivos, você se sinta triste.
Lá estaria eu, fazendo mil caretas, na sua imaginação, para que sorria.
Ou nos momentos de solidão, que sei que você tem,
lá estaria eu, oferencendo uma flor.
Uma flor que não veria...mas sentiria o perfume.
Eu queria ser o seu anjo da guarda onipresente...
mas sem ser chato,
sem pesar,
sem chatear.
Afinal,não se pode confundir um anjo da guarda,
com um guarda-costas, não é mesmo.
Gostaria de ser o seu anjo da guarda, para acompanhar você,
onde quer que vá.
Que poupe você do sol que queima,
mas que esquente você no frio que congela.
Queria ser seu anjo da guarda, com olhos e ouvidos atentos.
Que vai agarrar você no escorregão inesperado,
que vai afastar, com cara bem feia, os que querem enganar você.
AH, mas você não sabe o quanto gostaria de ser o seu anjo da guarda!!!
Iria dividir com você, suas tristezas...
daria um jeito de multiplicar, suas boas surpresas...
Iria subtrair os seus problemas.
Iria somar com você, nossos bons fluídos
Queria ser um anjo da guarda poético...sem essas pieguices que escrevo.
Queria ser seu anjo da guarda para lembrar a você, de suas vitórias.
O mesmo anjo da guarda, que anularia suas tristezas.
O anjo da guarda que jogaria no lixo, suas frustrações.
Seria um anjo da guarda empenhado...
mas acho que também,
um anjo egoísta!!!
Sim, porque todo esse trabalho teria um interesseiro interesse:
Ficar para sempre com você...
pegar você para mim...pela eternidade a fora.
Anjo da guarda safado e interesseiro....no bom sentido...é claro.

imagem colourbox.com




terça-feira, 22 de maio de 2018

Vá e diga


 Vá e diga...
Márcio Barker




Vá, e diga que sempre me recordo.
Vá e diga que me recordo, porque não dá para esquecer.
Vá e diga que cansei de dar trombadas por aí.
Vá e diga sinto falta.
Vá e diga que não sou de olhar para trás, porque agora já tenho o que olhar lá na frente.
Vá e diga que gosto do entardecer, mas aposto sempre no futuro....no amanhecer.
Vá e diga que não quero olhar para o que ficou,mas apenas para o que está por vir.
Vá e diga que, quem sabe, estou advinhado o futuro.
Vá e diga ainda, que ele se parece com o que sempre sonhei.
Vá e diga que ando cansado de meu mal humor com o mundo.
Vá e diga que já cansei de minhas carrancas...que e me perdoe por elas.
Vá e diga que minhas palavras, por vezes duras... nunca foram para valer.
Vá e diga que me perdoe, porque é o que eu também faço.
Vá e diga que descobri, que não passo de um ser humano.
Vá e diga que está sendo um grande aprendizado.
Vá e diga que cansei de deixar tudo ir-se por entre meus dedos.
Vá e diga que cansei de me arrepender das coisas que não fiz...mas que queria fazer.
Vá e diga que as decisões hoje tomadas...são para sempre, custe o que custar.
Vá e diga que quando estou longe, sinto muita falta...
Vá e diga que já não quero mais ficar sozinho.
Vá e diga que agora, estou pensando nela...não, deixe que isso eu digo.

Imagem:dreanstime

sábado, 19 de maio de 2018

O Caraminholento


O Caraminholento
Márcio Barker



E o camarada era assim:
Dorzinha de cabeça....
Sentenciava: AVC .
Pontadinha no peito: Infarto.
O pior do pior, era com ele mesmo.
Monstros subterrâneos o cutucavam noite e dias.
Aliás, diga-se de passagem, pobre avesseiro, com quem confessava suas angústias à noite

Um dia...
no trabalho, o chefe passou por ele, e nem o notou!
Prá qiue????
Foi o fim.
À noite na cama “bichinhos” malévolos tomaram de assalto, a pobre cabeça.

Ué! Por que será que ele hoje nem olhou pra mim???
Que será que fiz? Meu Deus, me diga!!!
Será por causa do memorando que fiz na quinta....e estava errado?
Ou será que eu dei a impressão de ter respondido torto pra ele?
Mas eu respondi torto mesmo, ou foi só impressão?
Puxa, passou e nem olhou pra mim!!!
Deve ter sido o memorando que fiz, que estava errado.
Cacete, “PREGUIÇA” se escreve com dois esses, ou um “S”, ou é com “cecedilha”?
Que merda, sempre fui um ignorante em gramática!
PUXA!!!! Como será que escrevi? Com um “S”, com dois “SS”, com “X”, ou com “cecedilha”, ou com CH?
Puta merda, não lembro!!! O pior é isso!
Ah! Sim. E a quinta -feira, foi dia cinco, ou dia seis?
Putzzzz ainda tem essa!
Será que o chefe não me olhou por isso?
E se foi por isso, o que será que vai fazer?
Bem, quem sabe uma advertência verbal.
Não fiz nada de tão grave.
Hummmm mas o memorando iria também para a Gerência!!!
Hããããmmmmm.....xiiiii. Pegou mal.
E agora?
Uma advertência por escrito. Só pode ser. Não tem jeito!
Puxa vida, que mal...
Hããããããmmmm....mas espera.
O memorando também foi para a Coordenação Geral!!!!
Nãããããooooo!!!! que merda!
E agora?????
Suspensão!!!
Mas por quantos dias?
Suspensão com perda dos dias não trabalhados!!!!
Hãããããmmmmmmmm
Estou fu!!!
Vamos falar português claro. Estou pra lá de fudido!!!!!
Mas....
Hããããããããããããmmmmmmmmmmmmmmmmm
Uma cópia do memorando também foi para a presidência da firma!!!!!!!!!!!
NÃÃÃÃÃÃÕOOOO!!!!”

A essa altura o coração hesita, a pressão sobe, a cabeça doi, e gira...
E ele:

Meu Deus, acho que estou morrendo!!!!

(cá entre nós é que estava mesmo)

E ele, suando, com o peito apertando, a cabeça explodindo:

Chegou minha hora.
E agora? Prá onde irei?
Bem, acho que para um bom lugar, não fui um grande pecador....
É...mas e aquela mulher do meu amigo....
Hããããããmmmm
Não, pera. E a grana que achei, e devolvi....até me chamaram de burro.
É...acho vou ser perdoado, e irei para um bom lugar...
Hããããããããmmmmmmmmm
Do que lembrei?????
Que não foram poucos os tapetes que puxei.......
Xiíííiíííííííí....
Inferno na certa!!!!!!!!!!
NÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOO!!!!
Não, espera aí
E aquelas doações que dei para a associação dos periquitos desvalidos????
AH!, vai compesar... quem sabe um purgatóriozinho...
Será?
Mas será que....será que....será.....que.....????
Morreu.

O certo é que morreu, mas jamais ficou claro se ele chegou a alguma conclusão de para onde iria. Pois deve ter se perdido em caraminholas, pelo caminho.
Pobre caraminholento!!!

Imagem  deposiphotos



quinta-feira, 10 de maio de 2018

Um Conto Doce


Um conto doce
Márcio Barker


Sabem? Quando eu era criança, morei numa casa bem grande. O quintal era maior ainda.
Nele, fazia minhas peripécias, com meu triciclo. Fazia estradas também, cavando na terra. Meus carrinhos e caminhões faziam velozes viagens por aquelas auto estradas que eu abria.
Nos finais de tarde, juntava um monte de passarinhos, periquitos, maritacas, papagaios. Tinha desde o vagabundinho pardal, até canários, rolinhas. Eu gostava de todos. E eles ficavam lá, conversando, discutindo, falando.
Metido, me intrometia na conversa deles. Sim, porque eu falava, e muito bem, o “passarinhês”, o “periquitês” e o “papagaioês”. Dava palpites, fazia graça, contava histórias.
Mas não era só o “passarinhês” que eu sabia falar. Ah! Sim, dominava também o “minhês” e o “Auauês”. Sim, claro, porque se não, como poderia conversar com o gato e passava por alí, todos os dias, e com os cachorros da vizinhança?
Lembro do gato, ficava me dizendo como são longos os muros dessa vida. E, o cachorro sempre ponderava dizendo, “ao menos você tem longos muros para percorrer”.
Era uma farra. Eu, de calças curtas, sentado no chão, ouvindo, e contando histórias...engraçadas...coloridas
Meu pai, biólogo e veterinário insistia em dizer que os bichos não pensam. AH!AH!AH! Será que ainda tem veterinário que acredita nisso? Eu nunca acreditei, pois os bichos até falam!!!
A noite, montava meu trem elétrico. Apagava as luzes na sala, e punha ele pra andar. O farol do expresso iluminava a sala. Eram imensas florestas com bichos misteriosos, fantasmas e sombras estranhas. Eu gostava de conversar com as corujas, daquelas florestas.
Um dia, lá no quintal, percebi que alguém me observava. Olha só! Era um pássaro maior, todo cinza, com uma mancha amarela na cabela.
Olhou muito sério para mim, e foi dizendo - “Espero que você nunca esqueça da linguagem dos bichos. Será importante para você.” Se virou, e foi embora. Nunca o tinha visto. Nunca mais eu o vi.
Daí, eu cresci. É....que coisa! Tive que aprender outras linguagens, inclusive a língua dos humanos. Aprendi o português, aprendi a falar em “adultês”, também um tal de “economês”, que fala de dinheiro, e que nunca gostei. Aprendi ainda, imaginem, a falar o idioma do coração...seria o “mulherês”? Também o “diplomatês”, a linguagem dos educados....nunca fui muito educado, mas...tive que aprender um monte de outras linguagens.
E a vida foi passando. Um dia, descobri que estava ficando velho. Bem, coisa normal, mas continuei gostando ver o Sol ir se deitar, ver a Lua ir surgindo, e as estrelas pouco a pouco aparecendo. Pois é, tem coisas que a gente não esquece, que continua gostando.
Numa dessas tardes, eu olhava o céu azul ficar vermelho. Antes eu imaginava que era um mágico que fazia isso. Depois descobri que não passa de um fenômeno atmosférico. Mas sabem? Cá entre nós, eu continuo achando que é um mágico que vai pintando o céu. Acredito nisso, mesmo!
Bem, e estava vendo os pássaros. Rolinhas, pardais, bem-te-vis, periquitos, maritacas, papagaios. Ah, sim. Também escutava os cachorros latindo, e via um gato passando suavemente. Eu não escondia um sorriso de felicidade.
Nisso, percebi que alguém me observava. Olhei, e vi um pássaro grande, de olhar sério. Era cinza, com uma mancha amarela na cabeça.
Num vôo rápido, chegou mais perto, e disse - “Espero que você esteja entendendo toda essa conversa aí, nas árvores. Tomara que você ainda saiba falar o idioma deles. Que converse com eles. Tomara que não tenha esquecido. Por favor, não esqueça, pois são os idiomas de sua infância....não esqueça do garoto que foi....e quem sabe ainda seja. Vai ser bom para você.”
Levantou vôo, e foi embora.
Não, meu pássaro, eu não esqueci...nunca esquecerei.

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