Um
conto doce
Márcio
Barker
Sabem?
Quando eu era criança, morei numa casa bem grande. O quintal era
maior ainda.
Nele,
fazia minhas peripécias, com meu triciclo. Fazia estradas também,
cavando na terra. Meus carrinhos e caminhões faziam velozes viagens
por aquelas auto estradas que eu abria.
Nos
finais de tarde, juntava um monte de passarinhos, periquitos,
maritacas, papagaios. Tinha desde o vagabundinho pardal, até
canários, rolinhas. Eu gostava de todos. E eles ficavam lá,
conversando, discutindo, falando.
Metido,
me intrometia na conversa deles. Sim, porque eu falava, e muito bem,
o “passarinhês”, o “periquitês” e o “papagaioês”.
Dava palpites, fazia graça, contava histórias.
Mas
não era só o “passarinhês” que eu sabia falar. Ah! Sim,
dominava também o “minhês” e o “Auauês”. Sim, claro,
porque se não, como poderia conversar com o gato e passava por
alí, todos os dias, e com os cachorros da vizinhança?
Lembro
do gato, ficava me dizendo como são longos os muros dessa vida. E, o
cachorro sempre ponderava dizendo, “ao menos você tem longos
muros para percorrer”.
Era
uma farra. Eu, de calças curtas, sentado no chão, ouvindo, e
contando histórias...engraçadas...coloridas
Meu
pai, biólogo e veterinário insistia em dizer que os bichos não
pensam. AH!AH!AH! Será que ainda tem veterinário que acredita
nisso? Eu nunca acreditei, pois os bichos até falam!!!
A
noite, montava meu trem elétrico. Apagava as luzes na sala, e punha
ele pra andar. O farol do expresso iluminava a sala. Eram imensas
florestas com bichos misteriosos, fantasmas e sombras estranhas. Eu
gostava de conversar com as corujas, daquelas florestas.
Um
dia, lá no quintal, percebi que alguém me observava. Olha só! Era
um pássaro maior, todo cinza, com uma mancha amarela na cabela.
Olhou
muito sério para mim, e foi dizendo - “Espero que você nunca
esqueça da linguagem dos bichos. Será importante para você.”
Se virou, e foi embora. Nunca o tinha visto. Nunca mais eu o vi.
Daí,
eu cresci. É....que coisa! Tive que aprender outras linguagens,
inclusive a língua dos humanos. Aprendi o português, aprendi a
falar em “adultês”, também um tal de “economês”, que fala
de dinheiro, e que nunca gostei. Aprendi ainda, imaginem, a falar o
idioma do coração...seria o “mulherês”? Também o
“diplomatês”, a linguagem dos educados....nunca fui muito
educado, mas...tive que aprender um monte de outras linguagens.
E
a vida foi passando. Um dia, descobri que estava ficando velho. Bem,
coisa normal, mas continuei gostando ver o Sol ir se deitar, ver a
Lua ir surgindo, e as estrelas pouco a pouco aparecendo. Pois é, tem
coisas que a gente não esquece, que continua gostando.
Numa
dessas tardes, eu olhava o céu azul ficar vermelho. Antes eu
imaginava que era um mágico que fazia isso. Depois descobri que não
passa de um fenômeno atmosférico. Mas sabem? Cá entre nós, eu
continuo achando que é um mágico que vai pintando o céu. Acredito
nisso, mesmo!
Bem,
e estava vendo os pássaros. Rolinhas, pardais, bem-te-vis,
periquitos, maritacas, papagaios. Ah, sim. Também escutava os
cachorros latindo, e via um gato passando suavemente. Eu não
escondia um sorriso de felicidade.
Nisso,
percebi que alguém me observava. Olhei, e vi um pássaro grande, de
olhar sério. Era cinza, com uma mancha amarela na cabeça.
Num
vôo rápido, chegou mais perto, e disse - “Espero que você
esteja entendendo toda essa conversa aí, nas árvores. Tomara que
você ainda saiba falar o idioma deles. Que converse com eles.
Tomara que não tenha esquecido. Por favor, não esqueça, pois são
os idiomas de sua infância....não esqueça do garoto que foi....e
quem sabe ainda seja. Vai ser bom para você.”
Levantou
vôo, e foi embora.
Não,
meu pássaro, eu não esqueci...nunca esquecerei.
Imagem /www.pinterest.pt
Nenhum comentário:
Postar um comentário