O
P5
Márcio
Barker
Puxa vida!!! Sim, ainda me recordo do velho P 5.
Como
faz tempo!!! Éééééé...tô ficando velho...mas quem não fica?
(não serve como consolo)
Meu
pai chegava em casa, com o Guia Levi, aliás, lendário Guia Levi
que nem existe mais. Nele, muitas páginas e letrinhas letrinhas
pequenas, evitando que o guia fosse, ainda, mais grosso.
Nele,
caprichosamente, literalmente, todos os horários dos trens que
corriam por Sâo Paulo, ao menos é do que me lembro.
Era
época de férias, e meu pai buscava um trem que fosse para São
José do Rio Preto.
Foleava
e, passando o dedo sobre os horários, meu pai dizia, que o melhor,
seria viajarmos no P 5, da Estrada de Ferro Araraquara. Ele saia
todos os dias rigorosamente às oito e trinta e seis, da estaçãoda
Luz, na capital dos paulistas. Ah, sim. Tinha a classe Pullman,
Primeira Classe e Segunda Classe.
Meu
pai, que não era pobre, mas tampouco rico, comprava a Primeira
Classe.
Na
noite anterior a viagem,dispensável dizer que eu não conseguia
fechar os olhos, pensando no P 5.
Na
manhã seguinte, quando eu chegava na Estação da Luz, lá no
centro da didade de São Paulo, não deixava de admirar a sua beleza
e imponência, tão simples. Era incrível esse contraste. Aliás, a
Estação da Luz era uma velha conhecida minha.
Construída
pelos ingleses, toda de ferro, com tijolos vermelhos à mostra,
feitos, assados e vindos da Inglaterra, em navios. A corbertura em
curva era admirável. Felizmente, a Estação da Luz, ainda está lá,
apesar dois dois terríveis incêndios que sofreu. Um deles,
provavelmente criminoso, o outro, por descaso.
Naquela
manhã, ainda garoto, eu corria na parte superior, buscando o P 5, na
parte de baixo. E, lá estava ele, soberbo, lindo, imponente,
simpático, sério, compenetrado, pacientemente aguardando os
passageiros, e o horário de partir. Seus vagões eram de alumínio,
num elegante metálico.
Desciamos
para a plataforma. Éramos educadamente levados ao vagão que
deveríamos embarcar.
Por
dentro, o P 5 era lindo, amplo, confortável em sua simplicidade, e,
imaginem, tinha até ar condicionado. Aliás, dizia-se que o ar
condicionado do P 5 era feito à base de blocos de gelo, colocados em
galerias dentro de cada vagão. E, depois, fazia-se passar uma
corrente de ar sobre o gelo, e que penetrava em cada
vagão.Entenderam? Simples, mas funcional.
As
poltronas, reclináveis e confortáveis eram imbatíveis, acho que
nem as dos aviões e ônibus de hoje, são melhores.
De
repente, ouvia-se uma campanhia, lá fora: “Triiiiiiimmmmmmm”.
E,
lá na frente a soberba locomotiva elétrica, English Eletric,
inglesa, respondia com um severo “
Oooooooohhhhhhhhhhhhh”.
Nossa,
o coração do menino disparava.
Pessoas
ainda enbarcavam, malas, pessoal sentando, e eu aflito para ver o P 5
partir.
Daqui
à pouco outro “Triiiiiiimmmmmmm”.
E,
logo nova resposta “
Oooooooohhhhhhhhhhhhh”.
E,
eu, garoto, ficava fascinado. Puxa, que coisa magnífica.
O
chefe do trem passava, e perguntava se estava tudo bem.
“Sim!
Sim! Meu caro, tudo bem. E o Trem, já vai sair?”
“Daqui
à pouquinho, calma”
Respondia o simpático chefe do trem.
A Agitação continuava,
principalmente dentro de mim.
De repente, novo
“Triiiiiiimmmmmmm”
Era o terceiro, será que
a locomotiva vai responder?
E, para minha
felicidade...
“ Oooooooohhhhhhhhhhhhh”.
O coração a mil. E
sentia os primeiros passos do trem. Inicialmente devagar. Mas logo
ganhava velocidade. Eu ficava facinado com que rapidez ele ganhava
velocidade. Saia veloz e, eu, afundava na poltrona.
Que coisa incrível!!!
Daí ficava vendo os trens de passageiros e de carga estacionados ao
longo da linha. Via também os maravilhosos galpões, caprichosamente
construídos pelos ingleses,há tantos anos passados. Todos de
tijolos vermelhos, à mostra, com imensas janelas envidraçadas.
Eram prédios imensos, sérios, sóbrios. O que haveria lá dentro?
IE não faltavam várias fábricas, como a do Matarazzo, onde os
trens entravam para pegar mercadoria, a ser transportada.
Mas o P 5 parecia ter
pressa. Lá na frente, a Locomotiva English Eletric ia abrindo
caminho com seu apito:
OOOOOOOOOoooooooohhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!! Vermelha com faixas
amarelas, ela ia lá na frente exibindo toda a sua imponência. Atrás
vinhamos nós, nos elegantes vagões Budd Mafersa, de alumínio. E o
P5 ia passando pelas porteiras, onde estavam carros, ônibus e
caminhões aguardavam a sua imponente e importante passagem. Grande
P5!!!
As estações se sucediam
– Barra Funda, Lapa, Pirituba...
Detalhe: Ninguém jogava
pedras no trem. Um São Paulo de outros tempos.
Logo, ele chegava em
Jundiaí, porta para o interior paulista. Nossa!!!! Que estação
linda, parece de brinquedo, cheia de detalhes artísticos, do final
do século dezenove. Ainda está lá...incrível!
Em Jundiaí,havia uma
troca de locomotivas, aliás, lendária, pois não eram poucos os que
se davam ao trabalho de descerem do trem, para assistir essa troca.
A English Eletric se
desligava, e se despedia, e logo vinha a fantástica locomotiva GE,
apelidade de “V8”, branca, azul, com um faixa cromada no centro.
E lá estava o imponente logotipo “CP”, da Companhia Paulista
de Estradas de Ferro, a ferrovia dos cafeicutores paulista. Aliás,
como quase todas...ou todas.
Novos “trimmmms”
Novos “Oooohhhhhs”
Nova taqucardia
E lá vamos nós.
A linha da Pauista era
maravilhosa. Com poucas emendas, não havia muito barulho das rodas
do trem. Chamava a atenção a velocidade que alcançava. E, para meu
espanto de menino, o trem entrava nas curvas, do jeito que vinhas nas
retas.
Maravilhado, eu colova o
rosto na janela, que não abria por causa do ar condicionado, e
ficava vendo a paisagem. Lá longe, bem longe, as montanhas imóveis.
Mas pra cá, casas, árvores, edifícios que passavam devagar e, aqui
bem perto da janela, tudo passava tão rápido, que mal dava para ver
o que era.
Daí a pouco entrava no
vagão um sujeito, com uma enorme cesta presa no peito. E anunciava
jornais e revistas. Lembro da “O Cruzeiro”, “Manchete”,
“Fatos & Fotos”. Revistas em quadrinhos, “O Pato Donald”,
etc e tal, tudo muito comportado, nada de mulher pelada na capa, o
que, diga-se de passagem, eu precocemente já sentia falta...
Era
1962, as notícias se referiam a próxima Copa de futebol no Chile. O
Brasil seria bicampeão? A política estava agitada. João Goulart,
presidente, era acusado de “comunista”, a tercerira guerra
mundial, rondava o mundo, o twist era a nova coqueluche roqueira. E a
miss Brasil daquele ano, foi uma baiana, aliás bonita. Me lembro do
nome, Maria Cavalcanti. Não lembro se ganhou o título de Miss
Universo. Eu gostava de ver notícias desses concursos, só pra ficar
de olhos nas pernas...
Bem,
depois do sujeito das revistas e jornais, vinha outro camarada, com
outra cesta. Eram sanduiches variados. Queijo, presunto, queijo com
presunto,salame (com ou sem queijo), no pão de forma, ou no francês.
Eu pedia para minha mão, com um guaraná. E ela dizia, que se eu
comesse, não iria almoçar. Que raiva!
Dalí à pouco, outro
camarada, com outra cesta, dependurada no peito: Chocolates,
variados, em tabletes, brancos ou marrons, bombons, pirulitos
verdes, vermelhos, amarelos (não lembro se haviam azuis), balas
paulistinhas (eu adorava), goiabada, pipoca doce, cocadas (tanto da
branca, quando da marrom) doce de leite (com ou sem côco).
Claro, formiga,eu pedia
um monte deles para minha mãe. Depois de muita negociação,
conseguia sair ao menos com o chocolate e o doce de leite (sem côco).
Mas já estava no lucro.
Quando o P5 se aproximava
de Araraquara, anunciavam o almoço. Aliás,a fome já estava me
rondando a algum tempo.
O vagão restaurante era
um luxo, tinha até um vasinho com flores na mesa. Elegantes toalhas
brancas, limpíssimas e passadas a ferro, como bonitos guarda napos
de pano. Tudo muito caprichado.
Escolhíamos no menú, o
que queríamos. Eu sempre pedia filé mignon refogado com batata,
cenoura, azeitonas verdes, alcaparras, ervilhas, tudo no azeite de
oliva. Para acompanhar, arroz branco, feijão (bem gordo), farofa
mista, e dois ovos fritos (com gemas moles). Na época não se falava
de semonela. Acompanhando, um belo guaraná. Sobremsa, figo, ou
pêssego em calda, com chantilly. Bão, né?
De volta ao nosso vagão,
claro que eu não dormia. O meu desejo era usufrir do P5, até o fim
da viagem.
Na estação de
Araraquara, a linda locomotiva elétrica, V8, da Companhia Paulista,
dava lugar a respeitada locomotiva diesel-elétrica, GP 18, da
Estrada de Ferro Araraquara. Toda vermelha, emdois tons, com detalhes
amarelos, era, naminha opinião, linda.
Eu ficava sempre
esperando o baque no trem, quando ela engatava no primeiro vagão.
Tudo de novo, em relação
aos “Triiiimmmmmmmms” e aos “OOOOooohhhnsssss”
Mas um detalhe. A GP18,
não era tão forte quanto as elétricas. O seu motor diesel
elétrico, se esforçava para vencer a inércia. Ela saia bem mais
devagar, e eu ouvia o lento sair, pelo ruído das rodas, nos trilhos
“plac -plac.....plec – plec” tudo lento, sem muita pressa.
O P5 levava mais tempo
para ganhar velocidade. Ia aos pouco. E, lá da frente vinha o ruído
do motor diesel, em seu esfôrço para ir levando o trem. Era mais ou
menos assim: “GrrrrrrrrrrrrrRRRRRRRRR”. E lá iamos nós.
De Araraquara pra frente,
as retas eram imensas, o horizonte bem aberto, não haviam montanhas
significativas, lá, bem longe, eu via o chão se juntar com o céu,
como no mar.
A tarde já vinha
chegando, o Sol, ora estava de um lado, ora de outro. Haviam pastos e
plantações imensas. Ao longo da linha, nas estradinhas de terra,
pessoas acenavam para o trem, e eu respondia. De repente, o P5 perdia
velocidade, o ruído dos freios anunciavam uma nova estação. Ia
olhar, não era nenhuma estaçãozona grande, mas uma estaçãozinha
pequena, que sumia diante do tamanho do P5. Nela, duas pessoas
subiam, e uma descia. O P5 apitava novamente, e arrancava
vagarosamente. E, volta e meia ele parava nessas pequenas estações.
Eram estaçõeszinhas dos primeiros tempos da ferrovia, e das
marias-fumaças. O tempo passou, e elas permaneceram. E, o P5, em
toda a sua imponência, não ignorava as pequenas estações. Eu não
ligava, pois assim, a viagem iria demorar mais, e mais.
Mas chegava uma hora que
a bunda começava a ficar quadrada e, sempre que o chefe do trem
passava, eu perguntava quanto ainda faltava.
Pacientemente ele dizia:
“Matão, Taquaritinga, Santa Sofia, Santa Adélia, Catanduva,Uchoa,
Cetral, Engenheiro Schmit, Rio Preto.”
Nossa, tudo isso? E o P5
prosseguia
Se o chefe do trem
passava novamente, novamente eu perguntava.
E ele, pacientemente -
Santa Adélia, Catanduva,Uchoa, Cetral, Engenheiro Schmit, Rio
Preto.”.
O Sol ia descendo, e o
P5, impertubável continuava. Será que não se cansa? Não, claro
que não. A paisagem continua a mesma, e a fome já volta a rondar.
Já eram umas quatro da tarde, e, desta vez convencia minha mãe.
Resultado, um belo misto frio, com um guaraná geladinho.
O chefe passa novamente.
“Quanto
falta, chefe?”
E ele, pacientemente.
Cetral, Engenheiro
Schmit, Rio Preto.”
Hummmmm, já estava
perto. Que bom. Mas ao mesmo tempo, que pena. Logo iria me separar do
P5. Tratei de degustá-lo nos últimos minutos de viagem.
Logo chegamos na estação
de São José do Rio Preto.
Descemos, abraços em
quem nos aguardava, beijos, etc.
Enquanto os adultos
papeavam, eu olhava o P5, com certa pena.
Logo o terceiro apito da
locomotiva GP 18, avisava que iria embora.
Fiquei olhando pra ele.
Ouço: “Márcio,
vamos indo...”
Faço um gesto com as
mãos para que me esperem um pouco. Estava muito ocupado me
despedindo do P5. Lá foi ele, se perdendo na distancia, da incrível
reta, até que uma distante curva, roubou ele de mim.
Olho no calendário, e
vejo que isso foi a quase sessenta anos. Não! Que mentira! Foi ainda
ontem. As cores, os apitos, a campanhia, o sabor do filé, do
sanduíche, o cheiro do diesel, o ruídos das rodas nos trilhos, as
paisagens, a V8, o simpático chefe do trem, estão tudo aqui,
vivos, presentes, em sons e imagens claras. Se fosse a sessenta anos,
já estaria tudo desbotado, apagado, perdido. Não! Não foi há
sessenta anos, foi ontem, no máximo na semana passada.
E o P5, onde andará?
Nunca mais o vi, mas certamente continua cruzando aquele interiozão,
se anunciando com seu apito forte, que jamais será esquecido.
Pois é...bons tempos não
morrem nunca!!!!
Eu decreto isso!
Imagem - folhanovoeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário