quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

                                                 O que seria da vida...
                                                          Márcio Barker


                                                                     Pintura de Cláudio Gonçalves

Um balcão, um copo e garrafa de cerveja, dois cotovelos. Uma padaria, em uma invariável esquina. 
O dia é segunda, normalmente terrível, tenebrosa, horrorosa, chatérrima. Segunda, sem dúvida o dia em primeiro lugar a ser odiado.
No fim do expediente de mais uma odiada segunda-feira, aquele refúgio, naquela esquina, de onde se vê o sol, apressadamente, se despedindo de mais uma horrorosa segunda feira.
Ao fundo, risadas da piada boba. 
Conhece essa? É velha. Ouça:
...............................................................
''O cara bate na porta do banheiro.
Lá de dentro respondem 'Tem gente'
E o cara pergunta: 'Fazendo o quê?''
''Gente''. É a resposta''
...............................................................
Além de velha, muito sem graça, rende apenas o sorriso amarelo, de canto de boca.  mas valeu.
De repente, um  tapa nas costas, e a invariável pergunta: ''Olha eu a mulher está esperando em casa, heim? Manera''. Outro sorriso de canto de boca.
Quá! Quá! Quá!
Na vitrine, que fica no balcão,  o peixe frito.
''Manoel, me dá um. É fresco?''
E o Manoel.
''Não, é só o jeitinho dele''
Novos Quás! Quás! Quás!
No balcão, um ávido (e saudoso) par de olhos, acompanham a bela bunda, da gostosa que passa pela esquina. Sobra um suspiro: ''Ah...meus bons tempos...''
Um cutucão no obro.
''Acorda! Toma essa cerveja. Quem gosta de cerveja quente é inglês''
Daí passa um caminhão. 
No para-choques uma frase:
''Hoje estou indo. Amanhá estarei voltando''
Os ohos se arregalam.
''Puxa vida!!! Você viu no para-choques naquele caminhão?''
E repete pausadamente:
''Ho-je es-tou in-do. Amanhã es-ta-rei vol-tan-do''
''Que coisa!! Que coisa mais fantástica, mas verdadeira, mais filosófica'. Viu?''
E o outro ao seu lado: ''Sim! e o que impressiona é a sacada de quem escreveu.Lindo, incrível" Sim!!! Porque quem vai, tem que voltar!!! É isso aí!".
"Filosofias" de lá. "Filosofias de cá". Como aquela velhíssima: "Mais vale um pássaro nas mãos, do que dois voando, que, com o tempo ganhou nova versão nos botecos: "Mais vale um seio na mão, do que dois no sutiã". E...quá!quá!quá!quá!!!
E, entre torresmos, tremoços, linguiça, bolinhos de arroz, ovos cozidos com as cascas pintadas, o peixe frito, a piada surrada, maliciosa, a tal bunda gostosa da boazuda que passa, a segunda feira tenebrosa ameniza, derreta e se vai. 
Quanta bobagem, de lá e de cá.
Pois é, abençoadas bobagens.
Pois o que seria da vida...não fossem as bobagens do cotidiano.
Concorda?

sábado, 2 de novembro de 2019


                                                 Dois em um
                                            Márcio Barker


                                                                     fotostatuagens.net

Olá!!!  Vou contar uma coisa pra você. Aliás, é uma confissão que há tempos venho sentindo. Sabe qual é? 
A essa altura de nossa amizade,depois de idas e vindas, daqui pra ali, de ali pra cá, dentro mesmo de nossas almas,  confesso que não sinto mais saudades de você. De verdade!  Juro! Nenhuminha. Sabe por que? Eu digo. Simples: Eu sinto saudades é de nós. Sim! Saudades de nossa irreverência, de nossas bobeiras e bobagens. Saudades de nossas brincadeiras e alegrias. Por que? Porque a essa altura, não somos mais você e eu - somos nós. A essa altura não somos duas individualidades, somos uma única existência só. 
Nos misturamos, nos fundimos em um ser único. Único nas propostas de vida, único nos sonhos, único na busca. Me perdoe o lugar comum, mas somos um só, quando dividimos nossas tristezas. E, também, um só, quando somamos nossa procura por outros horizontes, por novas experiências, e mesmo sabendo que a vida seja finita, nós buscamos um caminho que não tenha um final à vista. Agora, somos dois indivisíveis... portanto uma única e imensa existência. Nós somos o nosso grande amor. 
Beijo minha querida...inseparável.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Amiga, eu estou aqui

                                                Amiga, eu estou aqui
                                                       Márcio Barker

Urban Arts

Às vezes você me repreende.
Não sabe o quanto fico triste. 
Pois como seu amigo, não posso merecer a reprimenda.
Significa que falhei em algum ponto, em nossa amizade.
Às vezes você me repreende.
Mas...eu não mereço a sua repreensão.
Você não imagina onde chega o tamanho de minha tristeza.
Simples: eu não soube demonstrar, de modo claro, o acerto de minha amizade.
Como seu amigo, esclareço que não fico ao seu lado, na tristeza, ou na alegria.
Como seu amigo, quero que fique claro, que não fico ao seu lado, apenas para alegrar, apoiar, amenizar.
Como seu amigo, digo que minhas mãos,  não afagam seus cabelos, ou seu corpo, como consolo.
Eu não sou seu amigo, para acompanhar seus passos...proteger você.
Não, não.
Um amigo, é um ser que vem do infinito, e escolhe você.
Sorte sua se você o aceita.
Pois amigo, que é amigo, sabe que alegrias, tristezas, solidão, apoio, proteção, são coisas passageiras.
Coisas daqui...
Esse seu amigo aqui, se dispõe muito mais do que apenas isso.
Ele sabe que por aqui,  que  o tempo já está ficando pouco...e  se vai rápido.
Portanto esse seu amigo, o verdadeiro amigo, se dispõe a ir com você ao infinito...por mais mistérios insondáveis que o cerquem. 
Não importa.
A  sua companhia eterna, sabe-se lá por quais dimensões. 
Não  questiono, apenas me disponho  estar com você...no infinito!!!
Mas por quê???
Simples.
Porque você é a escolha mais importante que fiz.
Por isso não poupei buscar, procurar, até encontrar você.
Assim...
Fique com esse seu amigo aqui...valerá à pena.
Pois sou amigo de verdade!!!
Nunca duvide dessa  amizade!!!
Bjsssss

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O Fênix

                                                                   O Fênix
                                                           Márcio Barker

                                                                     imagem internet

O sonho que se perdeu...
O amanhã incerto...
A pergunta que insiste ficar no ar.
A teimosia que parece perder forças...
O ideia que desaparece...
A ansiedade por uma resposta que não chega.
O pesadelo que se repete.
O temor diante da dúvida.
A busca insana...que muitas vezes não dá em nada.
A esperança que não passava de mera miragem.
O vazio que escraviza.
A cabeça perdida em pensamentos de nada.
A insônia que assombra
A tristeza diante da incapacidade.
A raiva pela oportunidade que escapou
O pavor diante do vazio.
O medo que o passado se repita.
A angústia de sentir-se perder as forças.
A dúvida que paralisa e gela.
Mas...
A derrota nunca!!!
Por isso, toda manhã,  renasço de minhas cinzas...e teimo novamente!!!


segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Às vezes...

                                                          Às vezes
                                                                Márcio Barker



creazilla.com

Sabe?
Às vezes você me espanta.
Me espanta com seus atropelos...
E eu fico pensando...
Às vezes você me chateia.
Me chateia por ser  tão distraída.
Às vezes você me deixa atarantado.
Me deixa atarantado por não ter sossego.
Às vezes você me deixa mais ou menos bravo.
Sim, mais ou menos bravo porque não para quieta.
Às vezes você me deixa em panico.
Me deixa em pânico, porque parece biruta de aeroporto.
Às vezes  você me deixa confuso.
Me deixa confuso quando não sabe a diferença entre lado esquerdo,  e o direito.
Às vezes você me deixa triste.
Me deixa triste porque dorme bem antes de mim (e acorda também)
Às vezes me desespero.
Me desespero pela imensidão de sua bagunça.
E eu fico pensando...
Entre atropelos, desassossegos, confusão, espantos, continuo aqui.
Continuo aqui, porque tudo isso também é você.
E sabe?
Eu gosto imensamente de você.
...de tudo que é você...
Simples, não é?

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Dr. Péricles

                                                    Dr. Péricles
                                                       Márcio Barker


pt.dreamstime



Ainda hoje lembro da figura. Alto, magro, barba comprida. Era o Dr. Péricles.  Vizinho de meus pais.
Todos os dias o encontrava no ponto de ônibus. 
Usavas roupas sóbrias. Terno escuro, gravata (também escura), camisa branca.  Calçava sapatos marrons com meias brancas.
No nariz, um óculos daqueles antigos, que se dizia serem feitos de casca de tartaruga.
Era um sujeito interessante, intrigante, admirável.
Educadíssimo, falava sempre em meio tom de voz. Aliás, o timbre da voz era grave, que combinava com o semblante sempre sério.
Para ele, assuntos não faltavam . Aliás, aquele ponto de ônibus era de uma efervescência intelectual, única. Pena que tomávamos linhas diferentes, mas em algumas ocasiões, dado o interesse da conversa, eu o acompanhei em parte do trajeto.
Elegante no falar, gestos finos, olhar sereno, sorriso discreto, voz baixa, demonstravam o que parecia ser: um verdadeiro cavalheiro.
Falava de tudo com desenvoltura. Havia se graduado e, ouvi dizer que até pós-graduado.
Notei, ainda, que em seu charme, havia também o galanteador. Sempre tinha elogios finos, e na medida certa para as pessoas que estavam naquele mesmo ponto de ônibus.  Aliás, em especial  para as jovens, e senhoras que também se utilizavam daquele ponto de ônibus. Entre elas, a Matilde.
Ah, me recordo também da Matilde. E como não recordaria?  
Estava entre os trinta e quarenta anos. Bonitona...quem sabe mais para charmosa. Apesar da seriedade das roupas da época, era perfeitamente possível vislumbrar certos dotes, impossíveis de serem ignorados. Inclusive eu, ainda bem jovem, reparava, e muito, em certos detalhes. E, confesso, não eram poucos. Sim! O delineamento das coxas sob o vestido leve e esvoaçante de verão. O salto alto que tornava em charme, dos pés até os joelhos. O decote ligeiramente mais ousado, que expunha aquela pele morena, com belas costas, e seios fartos. Claro, apenas dava para ver uma pequena parte, mas eu adorava imaginar o restante deles.  Dava até taquicardia, entre outras  ''consequências'' físicas.
O pescoço liso, fino,  bem feito, tentador. O perfil elegante, charmoso, destacando o nariz ligeiramente arrebitado. E os lábios...a boca...de arrepiar!!! É, eu já era um tanto precoce para a idade...
Mas voltemos ao Dr. Péricles. Como sempre, esbanjava olhares, e contidas palavras elogiosas, para a Matilda.
E,  numa manhã, lá estávamos eu e o Dr. Péricles conversando, quando ela chegou.
Nos cumprimentou.  E, logo, o  Dr. Péricles se aproxima, responde, e vai conversando com ela.
Faz muito tempo, mas lembro até hoje de cada palavra.
Foi assim:

Dr.  Olá, Dona Matilda. Passando bem?

M.  Felizmente, Dr. Péricles. E o senhor?

Dr. Agora melhor, muito melhor com a sua chegada.

M. Que é isso, Dr. Péricles.  Muito grata.

Dr. Indo para o serviço?

M.  Sim. Precisa, não é?

Dr. Trabalha onde, me perdoe a curiosidade.

M. Não há problema. Trabalho num escritório.

Dr. Longe?

M. No centro.

Dr. Oh! A senhora deve ser a alegria entre seus colegas, pois não?

M. (Ri) Muito obrigada.

Dr. A senhora estudou o quê?

M. Só fiz até o colegial, depois tive que trabalhar. Não sou uma pessoa ilustrada, nem interessante.

Dr. (enfático) Ora! Ora! Me perdoe!!! Mas que conclusão absurda! Não concordo, em absoluto! Por favor, não se desvalorize. A senhora é repleta de atributos...é é...inclusive físicos, se me permite. Sem maldade, é claro.

M. Ora, muito obrigado, Dr. Péricles. Mas já estou nos trinta e tantos, e ainda luto por conseguir algo.

Dr. Trinta e tantos!!!! Mas é essa a idade, na qual uma mulher  começa desabrochar todo o seu encanto, sua magia, energia, sua sedução, meiguice. Diria mais, seu poder de conquista...

M. Oh, muito grata, Dr. Péricles, o senhor é um poeta.

Dr. Sim!!! Um poeta das cores da vida!!! Por vezes um poeta desesperado, ansioso, amalucado...por essas cores. Se é que me entende.

M. Entendo....

Dr. NÃO!!!! Estou certo de  que não entende!!! Sabe, a senhora é gentil, seu charme é único, é elegante, charmosa, bonita...

M. Ora, não exagere....

Dr Exagerar???. Nãooo!!!! Não há exagero algum!!!

M. Imagine....

Dr. Sim!!! Eu imagino...sim!!! E não sabe o quaaaaanto eu imagino!!! Não faz idéia. Não faz ideia até onde a maldita imaginação pode chegar.... é um desespêro!!!  Pois a senhora, Dona Matilde, está muito bem...

M.Obrigada...

Dr. Diria mais...bem demais. A senhora é formosa!

M. (já meio sem graça) Grata...

Dr. A senhora é uma deusa!!!

M. Não exagere

Dr. É isso mesmo!!!

M. Calma....

Dr. ...graciosa, com essa sua postura....com esse seu... corpo!!!

M. Dr. Péricles!!!

Dr. Me desculpe, mas é isso mesmo, viu??? A senhora é demais.  A senhora é boa....BOAAAAA...está me entendendo...

M. (escandalizada) O que é isso....???

Dr. É isso mesmo, viu???? BOAAAA, GOSTOSAAAAAAA! muito GOSTOSAAAAAA!!!!

M. (apavorada) Dr. Péricles. O senhor é um cafajeste!!!!!

Dr. Simmmmm!!! Cafajeste e um taradooo assumido, também. Me perdoe. Esses braços, essas coxas, essas nadegas....nadegas o caralho, BUNDAAAAA MESMO! Sabe eu queria rasgar você, deixar só o talo.

M. Cafajesteeeeee!!!!!

Dr. Pera aí! Pera aí!!! Não vá embora. Tá pensando o que? Que é assim? Fica aí botando panca, e desesperando um pobre cristão, sua desencaminhadora de pai de família!!! Volta aquiiiiiiiiiii!!!!

Bem, a essas altura, a pobre Matilde, vira as costas, e desaparece, enquanto o sereno, pacífico, educado, probo, moralista, charmoso, cultíssimo, finíssimo, Dr. Péricles prossegue, aos gritos e sendo contido pelos passantes.

Dr. Onde vai? Vem cá seu demônio, desencaminhadora de pais de família, eu ainda vou te processar, miserável, gostosa, gosta de tirar o sono de um pobre cristão....ainda nos encontraremos no infernoooooo!!!!!!


Pobre, Dr. Péricles. Dias depois, fiquei sabendo pelo meu pai, que ele tinha sido internado.  E ele não soube me dizer o motivo...

PS: Esse conto é uma homenagem a um  quadro, de um antigo programa de TV, nos anos sessenta,  "Noites Cariocas". O Protagonista era o impagável Walter D'Avila. 
Saudades.