sexta-feira, 27 de março de 2020

Diná e Eu


Diná e Eu
Márcio Barker




Nossa, como já faz tempo!!! Mas sei lá porque, hoje recordei, inesperadamente, dela.
Alta, bonitona, sempre sempre elegante...diria mais, elegantérrima, convencida, arrogante. Mas era também sofisticada, fumava cigarros ''Holywood'', mais tarde, ''Luis XV'', sempre com piteira. Depositava as cinzas num cinzeiro, que ela  mesma havia pintado. Perfumes leves, suaves, marcantes.
Era a perfeita dona-de-casa, dos anos quarenta – cinquenta.
Na cozinha era uma virtuose. Os pratos de uma  perfeição incrível. Eram a junção de beleza, com sabores únicos. Nas horas vagas, pintava. Palheta, cavalete, tela. Seu traço me impressionava. Não eram óbvios ou lugares comum. Me intrigavam, pois fugiam do que eu via por aí. Neles, não o real, mas o subjetivo, o ''entre-linhas''. Traços simples, que representavam muito...aquele ''muito'' que cada um vê, conforme cada um é.
Nas reuniões em casa, normalmente para um montão de gente, ela era a tal. Apesar das ajudantes na cozinha, fazia questão de ser a grande estrela. Na imensa mesa da sala principal, a de jantar, Diná fazia questão absoluta de levar  pessoalmente os pratos principais, diante da admiração geral. Ah!!! Faltava pouco para estourar, de tanta satisfação. Aliás, coisa que adorava, era ser adulada. E foi isso que sempre fizeram com ela por toda sua vida. Receber elogios era com ela mesma.
Me recordo de um jantar concorrido, lá em casa. Ela entra com um dos pratos a ser servido. Era um baita peixe. Meticulosamente arrumado numa bela bandeja inglesa, aquele peixe era, como já disse, uma mescla de beleza, com um sabor maravilhoso.
Daí perguntei a ela.
''Que peixe é esse?''
Ela responde – ''Pirarucú''
E eu
''Cú de quem?''
Consternação geral. Olhares disfarçados, rostos para baixo, risos amarelos, risos contidos, olhares de censura. Meu pobre pai, descendente de ingleses, fez cara de paisagem, mas eu sabia que por dentro ele gargalhava.
Outra boa recordação foi quando, toda convencida contava a um grupo de amigas a história da cegonha. DIzia ela que desde criança nunca, jamais, acreditou que bebês chegassem carregados por cegonhas. E, toda metida, arrematava:
''Eu via uma mulher com barrigão. Depois  a via novamente deitada numa cama, sem o barrigão e, do  seu lado um nenê. Ora, é claro que aquele nenê tinha saindo da barriga da mulher, simples.''
Um ''Oh'' geral, de admiração.
E, eu já endemoniado desde pequeno, pergunto maliciosamente:
''E você já sabia como ele tinha entrado????'''
E, naturalmente:
''Seu cafajeste!!!''
Mas eu admirava esse lado da Diná. Entretanto nunca nos demos inteiramente bem. Vivíamos as turras.
Ela era dominadora, e daquelas!!!
E eu, um rebelde explícito.
Um dia, aos berros, depois de uma de nossas infinitas desavenças, ela me disse:
''Seu malcriado, teimoso. Você parece filho de seu tio Luiz!!!!''(de quem nunca gostou).
E eu respondi: ''Não tenho nada com isso. Sei lá com quem você andou.''
Foi uma hecatombe. ''Cafajeste, ordinário, malcriado, sem educação, tarado,
sem-vergonha, desrespeitoso, ignorante, etc & tal.
Só não me chamou de filha da puta, porque não ficaria bem...
Diná queria meter o bedelho em tudo. E tudo deveria ser rigorosamente como ela acreditava ser o correto. Ousava até a dar palpites nas namoradas que eu arrumava. Uma tinha um ar assim, a outra tinha um jeito assado, a outra era muda, a outra parecia uma arara, a outra tinha um jeito vulgar. Prá mim eram todas muito boas...em todos os sentidos. Ela ficava uma fera, pois era justamente isso que detestava em mim. ''Seu cafajeste.''  Foi  o que eu mais escutava. Aliás, nunca me arrependi de minhas ''cafajestices''...felizmente as cometi.
Uma vez, durante uma roda de conversa, eu dei uma opinião que ela achou ofensiva (pra variar). E foi dizendo:
''Você parece um cavalo!!!''
E eu: ''Questão de hereditariedade, senhora dona égua''.
Daí: ''''Cafajeste, ordinário, malcriado, sem educação, tarado,
sem-vergonha, desrespeitoso, ignorante, etc & tal.''
E como eu disse antes. Só não me chamou de filha da puta, porque não ficaria bem...
E foi assim que passamos por quase quarenta anos.
Hoje morro de rir dessas passagens.
Mas o que sobrou da Diná e de mim, é uma doce lembrança: comigo em seus braços, enquanto ela  cantava: ''Se essa rua, essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar...''
Confesso que nunca mais dormi, como dormia em seu colo, com essa música.
Ah, sim. A Diná era minha mãe!
Saudades de você, Diná.



Um comentário:

Anônimo disse...

QUe coisa mais maravilhosa isso de "cavalo", "questao de hereditariedade, senhora dona égua". Jura que vcs se comunicavam com essa liberdade respeitosa? Guarde essa memoria pra sempre e vc nunca estara sozinho!

Camilla Tebet