sábado, 10 de outubro de 2020

Minto sim, viu? E daí?

                     Minto sim, viu?  E daí?

Márcio Barker


internet

Já no corredor, encontro o médico. E pergunto.

''E daí, doutor, e o caso do seu Péricles. O que me pode contar?''

Balançado a cabeça, vai dizendo:

''Caso dificílimo, realmente grave. Não podemos prometer nada. Comoo senhor sabe, a medicina ainda tem seus limites. Situação muito ruim. Nâo tenho boas perspectivas.''

Que pena! Pobre Péricles. Até que não está tão velho...

Entro no quarto. E o Pèricles vai dizendo:

''Finalmente opero amanhã. Quero resolver isso logo. Já encheu o saco.''

E eu:

''Pois é, já soube. Acabei de encontrar o médico. Aliás, muito boas perspectivas. Cirurgia rápida, recuperação também. Me disse que, em três ou quatro dias você sai daqui. Que bom!''

No dia seguinte fui vê-lo. O companho até a sala de cirurgia, e digo:

''Boa sorte, Périckles.  Trate de voltar logo daí, falou?''

Fez um sinal de positivo, e foi para a cirurgia.

Não voltou...mas  foi feliz...despreocupado.


/////////////////////////////////////////


Cruzo na mesma calçada com o Onésimo. Só o reconheci quando me chamou. Não era para menos, estava todo diferente.
''Ué, é você? Prá onde está indo assim?
E ele me conta:
''Fui convidado para uma reunião mais ou menos chequérrima'. Tinha que me 'produzir', tá certo?''
Olhei. 
Paletó marron, camisa amarela, calça azul marinho, sapatos morrons e meias brancas. A cinta era uma variação do abobóra.
Me pergunta ansioso:  
`'E daí? Gostou? Não foi barato. Paguei caro.''
``Legal''. Eu disse, e completei:  
``Destaque para a gravata (Vermelha). Você está muito elegante...quem sabe um pouco moderno, mas está ótimo.''
Ele agradeceu feliz.
E mais feliz ainda lá foi ele para a sua reunião mais ou menos elegantérrima.

////////////////////////

Um cara que nunca esqueci foi o Olvídio. Era daqueles que dava e dava cabeçada na vida, mas tinha o dom de sempre sobrevivver, além de um otimismo ímpar, sempre com sonhos de literato...de um poeta, afinal era, também, um romântico irredutível.
Repentinamente o encontro num balcão de padaria. 
''Olvidio, meu amigo, há quanto tempo!''
Os olhos se iluminam ao ver-me. Animadamente  responde ao meu cumprimento.
''Puxa, que bela surpresa! Ainda outro dia lembrei de você''
E, sem mais delongas, já foi contando as novidades. Tinha feito um curso aqui, outro alí. Participado de simpósios, mesas redondas, congressos, tudo sobre literatura. Sim! Ele persistia em ser um literato.
Recordo que seu forte eram rimas do tipo ''amar'' com ''estar'', ou, ainda, ''amor'' com ''dor''.
 E, lá pelas tantas anuncia, em alto e bom som:
''Estou 'poetanto'. Sim! De verdade. Encontrei a minha verdadeira veia. A arte de falar nas entre linhas. Revelar-se em símbolos, descobrir o aqui e o ali. Tenho até meus escritos. Se quiser mostro a você, estou procurando onde editar.''
E no auge do entusiasmo escolhe um de seus escritos, e o declama para mim:
''Miseravelmente,
resisto demente,
no ardor de tal amor.
Quisera saber se é mesmo um amor...
ou resune-se apenas em um novo ardor''.

Profundo! Digo a ele.
''De fato você navegou nas profundezas de um universo único, ímpar, singular, indiscutível. Nota-se a sua irrefreável busca pelo que se esconde entre dois pulsares de um coração, digamos, valente. Parabéns! você tem futuro. Prossiga. Não faltarão candidatos a editores de seus textos. Orgulho de nossa amizade''.
Estufa o peito. Um sorriso que   vai  de uma, até a outra orelha. Olhar confiante, ele parte feliz...como nunca.
Ah, Olvidio...

                                            //////////////////////////////////////////


Foi numa reunião que a vi de longe.
Era a Renata, o desespêro de minha juventude.
Coxas magníficas, seios estondeantes, boca deliciosa, mulher que me levou a loucura.
Mas o tempo não deixa ninguém prá lá, e a pobre Renata era hoje,apenas  uma mera sombra de outras épocas..
Me aproximo. Ela me viu toda sorridente.
Abraço, e vou dizendo:
''Sempre admiro quem engana o tempo. Em você, Renata, parece que  ele não passou''
Ela me olha marotamente e me fulmina:
''Por que você mente?''





terça-feira, 6 de outubro de 2020

Amanhã vou sair por aí

                  Amanhã vou sair por aí

Márcio Barker 

internet

Não é pouca a vontade. 

Prá ser sincero, é muita!

Vou sair por aí.

Vou parar ali, na esquina, que tem uma sorveteria daquelas.

Quero duas bolas do de limão, e uma de côco. 

Ah, sim, depois passo logo ali, na pastelaria.

Mando um de carne com ovo, 

e outro de queijo, bem cheio de óleo.

Olho de lado, e vejo um templo,

ela, a pizzaria.

''Quero uma meia a meia - aliche e mussarela''

Ah, sim, com guaraná''

Vou pegar uma estradinha,

sei que logo alí tem pamonha.

AH!!!! Que maravilha de pamonha.

Quentinha, saborosa...bem doce.

Docê?

Será que encontro aquele carrinho de doces?

Eu sempre encontrava quando saia com minha mãe.

Sabe? Nele tinha bala almofadinha,

tinha também aquele doce de gelatina, com chocolate,

o Dan top.

tinha machadinha, e...

o que eu mais gostava,

 pirulito em forma de galo,

de açucar queimado.

Nossa, que maravilha!!!

Mais prá frente, lá esta outro carrinho,

o do algodão doce!!!

''Mãe, compra prá mim, vá?''

E, claro, ela comprava

Logo, vinha aquele cheiro irresistível. Dela, a pipoca!!!!

Nem precisava pedir.

Ela não só comprava, 

Como carregava o pacote.

Sim, pois na minha mão esquerda estava o algodão doce.

Na outra, ele, o meu amado pirulito.

TInha pena de chupá-lo,

Para que o simpático e doce galinho, não sumisse.

Ah, mas que vontade de sair, não por aí, mas  por lá...

....lá, bem longe, por  onde passei os sonhos e sabores,

de quando era pequeno...

Pena que a gente cresce, não é?????