Minto sim, viu? E daí?
Márcio Barker
internetJá
no corredor, encontro o médico. E pergunto.
''E
daí, doutor, e o caso do seu Péricles. O que me pode contar?''
Balançado
a cabeça, vai dizendo:
''Caso
dificílimo, realmente grave. Não podemos prometer nada. Comoo
senhor sabe, a medicina ainda tem seus limites. Situação muito
ruim. Nâo tenho boas perspectivas.''
Que
pena! Pobre Péricles. Até que não está tão velho...
Entro
no quarto. E o Pèricles vai dizendo:
''Finalmente
opero amanhã. Quero resolver isso logo. Já encheu o saco.''
E
eu:
''Pois
é,
já soube. Acabei de encontrar o médico. Aliás, muito boas
perspectivas. Cirurgia rápida, recuperação também. Me disse que,
em três ou quatro dias você sai daqui. Que bom!''
No
dia seguinte fui vê-lo. O companho até a sala de cirurgia, e
digo:
''Boa
sorte, Périckles. Trate de voltar logo daí, falou?''
Fez
um sinal de positivo, e foi para a cirurgia.
Não
voltou...mas foi feliz...despreocupado.
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Cruzo na mesma calçada com o Onésimo. Só o reconheci quando me chamou. Não era para menos, estava todo diferente.
''Ué, é você? Prá onde está indo assim?
E ele me conta:
''Fui convidado para uma reunião mais ou menos chequérrima'. Tinha que me 'produzir', tá certo?''
Olhei.
Paletó marron, camisa amarela, calça azul marinho, sapatos morrons e meias brancas. A cinta era uma variação do abobóra.
Me pergunta ansioso:
`'E daí? Gostou? Não foi barato. Paguei caro.''
``Legal''. Eu disse, e completei:
``Destaque para a gravata (Vermelha). Você está muito elegante...quem sabe um pouco moderno, mas está ótimo.''
Ele agradeceu feliz.
E mais feliz ainda lá foi ele para a sua reunião mais ou menos elegantérrima.
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Um cara que nunca esqueci foi o Olvídio. Era daqueles que dava e dava cabeçada na vida, mas tinha o dom de sempre sobrevivver, além de um otimismo ímpar, sempre com sonhos de literato...de um poeta, afinal era, também, um romântico irredutível.
Repentinamente o encontro num balcão de padaria.
''Olvidio, meu amigo, há quanto tempo!''
Os olhos se iluminam ao ver-me. Animadamente responde ao meu cumprimento.
''Puxa, que bela surpresa! Ainda outro dia lembrei de você''
E, sem mais delongas, já foi contando as novidades. Tinha feito um curso aqui, outro alí. Participado de simpósios, mesas redondas, congressos, tudo sobre literatura. Sim! Ele persistia em ser um literato.
Recordo que seu forte eram rimas do tipo ''amar'' com ''estar'', ou, ainda, ''amor'' com ''dor''.
E, lá pelas tantas anuncia, em alto e bom som:
''Estou 'poetanto'. Sim! De verdade. Encontrei a minha verdadeira veia. A arte de falar nas entre linhas. Revelar-se em símbolos, descobrir o aqui e o ali. Tenho até meus escritos. Se quiser mostro a você, estou procurando onde editar.''
E no auge do entusiasmo escolhe um de seus escritos, e o declama para mim:
''Miseravelmente,
resisto demente,
no ardor de tal amor.
Quisera saber se é mesmo um amor...
ou resune-se apenas em um novo ardor''.
Profundo! Digo a ele.
''De fato você navegou nas profundezas de um universo único, ímpar, singular, indiscutível. Nota-se a sua irrefreável busca pelo que se esconde entre dois pulsares de um coração, digamos, valente. Parabéns! você tem futuro. Prossiga. Não faltarão candidatos a editores de seus textos. Orgulho de nossa amizade''.
Estufa o peito. Um sorriso que vai de uma, até a outra orelha. Olhar confiante, ele parte feliz...como nunca.
Ah, Olvidio...
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Foi numa reunião que a vi de longe.
Era a Renata, o desespêro de minha juventude.
Coxas magníficas, seios estondeantes, boca deliciosa, mulher que me levou a loucura.
Mas o tempo não deixa ninguém prá lá, e a pobre Renata era hoje,apenas uma mera sombra de outras épocas..
Me aproximo. Ela me viu toda sorridente.
Abraço, e vou dizendo:
''Sempre admiro quem engana o tempo. Em você, Renata, parece que ele não passou''
Ela me olha marotamente e me fulmina:
''Por que você mente?''
Um comentário:
Vivo fazendo essa pergunta: por que vc mente? Por que sera que as pessoas insistem em mentir?
Para com isso, gente!
Camilla Tebet
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