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Chatice - Márcio Barker |
Outro dia recebi um convite, aliás, muito
especial. Especialíssimo, pois era para ir ao encontro anual dos
antigos camaradas, de outros tempos.
Fazia tempo que não comparecia a esses
encontros. Fiquei animadérrimo.
Daí vem aquela curiosidade: como estará
o fulano, sempre falante, “garganta”, metido a comedor? O
beltrano, piadista, daqueles que conta os maiores absurdos com
expressão de seriedade absoluta? E a siclana? Nossa como estará? Gostosíssima, que coxas!!! Seios deslumbrantes!!! Às vezes eu ia
ao cinema com ela...saia de lá sem saber sequer o título do
filme...
Ah, sim. Tinham os eternos atletas no
futebol, vôlei, basquete, e por aí vai.
Bem, depois de anos já não eram mais os
mesmo. Normal.
Fui ao encontro numa pizzaria.
Logo de cara foi difícil encontrar a mesa
onde estavam só depois que me chamaram. Estavam bem debaixo do meu
nariz. (mudaram tanto, ou eu que já não enxergava bem?)
Fiquei preocupado. Deveria estar como eles.
Dei uma olhada de relance num espelho do salão. Não estava tão mal
assim. Claro, uma análise suspeita.
Cumprimentos, abraços, beijos, piadas,
afagos do tipo:
"não mudou nada"
Ou,
”como você está bem”
etc e tal. Tudo “média”, pura diplomacia.
Sento.
E logo vou atacando o antepasto formado
por torradas ao alho e óleo, azeitonas verdes (e pretas), bolinhas
de manteiga, cebola no óleo e vinagre, além do queijo provolone à
milanesa.
E, ao lado a conversa
rolava animada:
“E o triglicéris, como anda?”
Ou ainda:
“O médico me receitou tal coisa”.
“É mesmo? E de quantos miligramas?
“Cinquenta. E pra você?”
“Cem, mas duas vezes ao dia”.
Procurei fazer ouvidos de mercador, e
concentrar no maravilhoso couvert.
Porém era inevitável, pois daí, do outro
canto da mesa, alguém foi dizendo que andava urinando mal, por
causa de uma obstrução no canal. E que, imagine, teve o pobre,
passar por uma sessão de não-sei-o-quê, para desentupir.
Puxa, e era justamente o Aurélio, um
verdadeiro (ou se dizia) atleta sexual. Logo ele, entupido.
Bem, coluna, então era uma coisa
momentosa, assim como a pressão alta.
Enquanto isso, eu prosseguia atento ao
couvert, agora degustando, generosas fatias de pão italiano, com
um molho à base de alho torrado, azeite de oliva orégano e algumas
pitadas de queijo parmesão ralado. Imbatível.
Mas a coisa continuava à minha volta:
Taquicardia, descompassos, insônia, calo
(com e sem olho de peixe), tosse de cachorro, rinite, visão
embaçada, formigamentos nas extremidades, câimbras, pesadelos,
insatisfação, ejaculação retardada, hemorroidas, amolecimento
prematuro, colesterol alto (do bom e do mal), açúcares,
insuficiências, pedras (tanto nos rins, quanto na vesícula), má
irrigação sanguínea periférica, disfunções várias dos tipos
intestinais, circulatórias, inclusive erétil, desequilíbrios
(físicos e mentais) etc e tal. Não sei, mas tive até a
impressão, de ter escutado alguém falando em prótese peniana.
A essa altura, eu já comia a segunda fatia
de uma bela pizza de aliche (que eu amo), junto com outra de
mussarela, ambas regadas a um incrível azeite de oliva italiano,
enquanto refrescava-me com um fantástico guaraná. Aliás, é bom
que se diga, que somente eu quem se deu conta da chegada das
pizzas.
O Neves era um dos mais palestrantes mais
contundentes. Além de desfilar seus inúmeros problemas (de saúde
e com o fisco), também passou a palestrar sobre a morte de seus pais
fartando-se em detalhes. Coisa, aliás, que eu já sabia de cor e
salteado. Claro, não deixou de palestrar sobre sua hemorroida, pré
catarata, vesícula entupida, colesterol batendo lá em cima, e
manchas na visão, pequenos tremores e visão semi-turva. À boca
pequena, maldosa, aliás, dizia também estar sofrendo de ereção
hesitante.
Que coisa!!!
Que teria passado com aqueles heróis e
semideuses?
Parece que foi há pouco que a conversa
versava sobre mulherada. Convenhamos, um assunto bem mais saudável,
excitante e, visualmente lindo.
E era aquela autoafirmação.
Todos, rigorosamente todos se diziam
imbatíveis na arte da sedução. Hipnóticos. Travava-se uma
verdadeira guerra de quem era o melhor.
Um dizia que tinha saído com uma princesa,
e teria “dado” umas três (às vezes até, sem tirar). O outro
tinha "garfado" uma loirona daquelas, (eu sempre preferi as
morenas. Imbatíveis, em minha opinião, é claro). E a dita loirona
seria “uma verdadeira égua”, na qual ele teria
“cavalgado” por uma noite inteira.
Ah! Sim, e havia aquele cuja agenda
lotatérrima de beldades (da loira a morena, da mulata a ruiva) que
chegou a ter problemas de horários (horários encavalados).
Eram bravatas após bravatas. E, naquele
tempo, eu também preferia só escutar...era divertido.
Ah, sim! Tinha mais um coisa que marcou
aquela doce época: a milagrosa Bezentacil,
de um milhão e quatrocentas mil miligramas
(diziam que doía fundo na alma...e na bunda), sim, pois foram muitas
as gonorréias tratadas à base da lendária Benzentacil. Eu nunca
tomei. Tinha mais critério...e menos bazófia.
Bem, agora enquanto eu me regalava com duas
fantásticas fatias de pizza de gorgonzola e outra de presunto
Parma, a conversa continuava.
Agora o assunto derivou para um leque
impressionante de calmantes, antidepressivos, soníferos,
antidistônicos, energizantes, complexos vitamínicos passando por
modernas técnicas cirúrgicas, do tipo “explosão” de pedra nos
rins, raio lesar, etc.
Impressionava a desenvoltura como
palestravam sobre tais temas, Pareciam dominar a fundo, o assunto.
Entenderiam eles também de supositórios? (já estava meio irritado)
Seriam os mesmos que eu escutei discutirem
sobre as idas e vindas da política nacional e internacional?
Normalmente eram revolucionários que queriam mudar a ordem mundial.
Mas que tinham predileções, digamos "pequeno burguesas",
pois se falava também, muito da “performance” do carro de cada
um (carros naturalmente presenteados pelos pais).
Um deles tinha o celebérrimo Opala seis
cilindros, envenenado, o outro o potente Camaro V8, ou o Corcel assim
e assado.
Faziam de zero a cem e dois segundos e
meio. O outro tinha um Dodge Charger turbinado. Tinha também aquele
outro com um Maveric V8. E, não faltava o sujeito que possuía um
fuscão, 1500 cc, “preparado”.
Por um instante meu garfo fica entre o
prato e minha voraz boca. Foi quando indaguei: onde foram para
aquelas belas máquinas...e que fim tiveram seus intrépidos
motoristas?
AH, sim. Estavam ali mesmo, disfarçados e
escondidos em meio a cabelos brancos, reluzentes carecas, rugas,
dores, desconfortos vários, irritação, mau humor, reclamações.
Antigos rebeldes que o tempo transformou em reacionários.
Quando terminei a minha incrível
sobremesa; um magnífico bolo de chocolate, recheado com mouses e
morango, acompanhado por belo creme de papaia ao cassis, chegou a
hora da despedida.
Os abraços e os votos de sempre, além do
clássico "vamos nos ver".
Terminado,
eu sumi rápido.
Triste.
Bem, envelhecer qualquer um envelhece...mas
tem gente que exagera.
Não dá para curtir as mazelas da velhice,
como as aventuras da juventude.
Perdoe-me, você acha que eu estou
errado???