terça-feira, 22 de agosto de 2017

O Zé Maria


                                                               

O Zé Maria
Márcio Barker

Outro dia, sei lá porque, lembrei dele. E olhe que já faz trinta tantos anos que se foi.
Pois é, aparentemente o tempo vai esmaecendo as imagens. Mas acho que só aparentemente.
A história pode até parecer meio piegas, não importa, todos temos o direito, até em ser piegas.
Mas, lembrei dele, sim. Puxa já faz tempo, mas tem coisas que ficam guardadas de modo indelével ( “indelével”, “esmaecendo”, não gosto desses termos pernósticos, mas não vieram outros no momento, me desculpem)
Mas, pois é, lembrei dele, e de outras coisas.
Foi ele, por exemplo o primeiro a me falar sobre Noel Rosa. Cantou até um trecho de “Conversa de Botequim”. Aquela que diz assim - “Seu garçon faça o favor de me trazer uma boa média / que não seja requentada...”
E foi me explicando, como o malandro aborrecia o garçon, com a sua malandragem.
Eu era bem pequeno, mas achei engraçado.
Foi ele que, aos cinco, ou sei anos, me contou sobre a batalha aérea, nos céus da Inglaterra, no início da Segunda Guerra Mundial.
Ah, sim. Ele também foi o primeiro a me contar como aquele incrível violinista tocava composições inicreditáveis, apesar das cordas de seu violino irem se arrebentando. Diziam que tinha parte como diabo. Depois, piscando o olho, também me contou que era o próprio músico quem arrebentava as cordas do seu violino. Era Nicolo Paganini.
Ainda ele, o primeiro a me explicar, imaginem, como funcionava uma locomotiva a vapor e uma locomotiva diesel – elétrica. E, boquiaberto, via com que maestria fazia com a mão esquerda, o genial contracanto, nos foxes e ragtimes, quando se sentava ao piano.
E, incrível, mesmo sem entender muito, na minha cabecinha de criança, eu “via” o malandro pedindo a média, também os aviões voando sobre a cidade em chamas, o louco violinista no palco, e as locomotivas funcionando.
Anos mais tarde,coincidentemente pesquisei e escrevi programas de rádio sobre o tempo malandro de Noel, li muito sobre as Segunda Guerra Mundial, escrevi sobre Nicolo Paganini, o impagável violinista. Até hoje o contracanto me fascina. E, para completar, sei lá porque, adoro trens. Bem, quanto a esse último item, sei que foi influência direta de quem primeiro me falou sobre eles. Sim, foram muitos os passeios de trem, na minha infância, assim como ela foi brindada com o presente preferido, dos meninos de minha época – o trem.
E foi ele pródigo nesse particular, pois foram muitos os trens a corda, de lata, de madeira, a fricção, elétricos!!! (não estávamos ainda no tempo do plástico)
Lembro do seu sorriso de felicidade, ao estender  mais um trenzinho, para minhas pequenas e alegres mãos de garotinho.
Viajei muito com todos eles. Viajo ainda, na minha lembrança.
Quem era ele? 
O velho Zé Maria, meu pai, o cara que me deu o fio da meada, para tantas coisas.

Gostaria de dar uma abraço nele, mas...




imagem acima retirada de  -  manualdohomemmoderno.com.br

Nenhum comentário: