sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

O Último Romântico

                O Último Romântico
Márcio Barker




Quando pequeno:

Eu gostava de ficar na janela da casa de minha avó, vendo o sol ir embora.
Gostava daquele céu meio azul, meio vermelho.
E do ar do entardecer.
Gostava de ver o homem do carrinho de doces passar em frente.
Gostava de ver mina avó na cadeira de balanço, fazendo crochê.
Vó, me conta uma história de fantasma”.
Ah, como eu gostava das histórias de minha avó.
Vó, me faz cafuné”.
E como gostava dos cafunés de minha avó.
Gostava de escutar o relógio da parede bater seis horas.
Do papagaio chamado: Donana, Donana”
E escutava de longe, a algazarra dos pássaros se recolhendo para mais uma noite.
Como seria a noite dos passarinhos?
E, lá de longe, eu escutava o apito da velha locomotiva a vapor, que passava pela Lapa.
Nossa, que música!

Quando garoto:
Ficava ouvindo as histórias de meus pais, tios, tias.
Quase não dizia nada, mas ouvia tudo.
Eram engraçados, brincalhões, piadistas, tranquilos.
Às vezes pegava um 78 RPM, subia numa cadeira, e colocava ele no vitrolão.
Ouvia, ragtimes, fox trots, Noel Rosa, Carmem Miranda.
Ah, sim, ouvia Chico Alves também. Uma composição me chamou a atenção, e dizia mais ou menos assim:
Violão, companheiro/ de tanto roçar no meu peito/ tens o timbre perfeito/ da voz do meu coração”.
Bonito, não? Bem, eu gostava.
Já entendia, pois sempre lembrava da menina bonitinha, que sorria pra mim, quando passava em frente de casa.

Já crescido
Lembro da mesa de pokker da velha turma do bairro (eu sempre roubando).
Lembro das farras, da irrevedrência.
A! Bom eram os namoros, os olhares apaixonados, as carícias.
Amava chegar da faculdade, ou do trabalho. Jantar. Ir para o quarto, acender um belo cigarro (na época eu fumava), e escutar jazz, blues, mas também aquelas coisas do Nelson Gonçalves:
Boemia/aqui me tens de regresso/e suplicante te peço/a minha nova inscrição.../
É..ééééé...e no acompanhamento, bandolim (do Jacob), cavaquinho, flauta, violão de sete cordas, pandeiro.
E lá ficava eu sonhando com um vulto de mulher, que ia se desenhando aos poucos, na minha imaginação...
Mesmo roqueiro bagunceiro, lá no fundo era também, um romântico.
Puxa vida! E quem será essa mulher?
Ela existe?
E se existe onde estará?
Será que irei encontrá-la?
Será que gostará de mim?
Mas cadê ela?

E já bem maduro:
Lembro da janela de minha avó, de suas histórias e do cafuné.
Lembro ainda, muito bem, daquele velho trem.
De meus pais,tios, tias e de seu bom humor.
Da garota que sorria pra mim, lá da rua.
Da velha turma
Das canções do Nelson Gonçalves
E do vulto de mulher, que sempre quis saber quem é.
Acho que estou me descobrindo um romântico...quem sabe o último.
Será?



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