segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Naquele Velório


Naquele velório...
Márcio Barker

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Naquele velório, o entre e sai continuava
Detalhe: os que saiam, levavam garrafas vazias.
Os que entravam, garrafas cheias.
E pelos cantos, piadas do tipo:
``...nervosa, a moça ofereceu um pacote de pipocas para o índio, e perguntou:
Indio quer pipoca?
E o índio respondeu:
Não. Índio quer popica''
E, quáquáquáquáquá!!!
E a roda se abre, desmanchando-se em gargalhadas.
Naquele velório, ao fundo, uma alegre banda de dixieland, bem ao gosto dos cabarés pecaminosos de New Orleans. Irreverente, brincalhão, induzia os pares se espalharem pelo salão.
Haviam aqueles que preferiam o maxixe e o choro, que outro grupo executava.
Os canapés, salgadinhos e apetizeres vários, eram algumas das estrelas do momento.
Diferentes molhos,maioneses aguçavam tanto o apetite, quanto a alegria do pessoal.
Paqueras, olhares insinuantes, mãos nada bobas, corriam soltas.
Prometiam altos ''programas''...hummmm...
Naquele velório, não faltaram histórias do falecido.
Meigas, emotivas, cabeludas, safadas, irreverentes, sem vergonhas.
Em especial os últimos três itens
Foi, sem dúvida, um cara feliz.
Feliz, pelo desavergonhado que sempre foi.
Feliz porque sempre disse o que pensava.
Feliz, porque sabia que era um safado, e disso se orgulhava.
Feliz porque soube calar a boca da inconveniente e ditatorial consciência.
Às vezes olhavam para ele.
Não rolavam lágrimas...mas sobravam sorrisos maliciosos.
Não havia choro, muito menos vela.
Haviam lembranças, sempre regadas a boas gargalhadas.
A entrada era franca.
Em especial para os vira-latas que por ali perambulavam.
Parecia que todos sabiam quem estava lá.
Por quem brincavam e dançavam.
Por quem riam, gargalhavam entre as muitas recordações,as vezes de corar.
Por quem fez da irreverência, seu credo.
Naquele velório, celebrava-se a vida.
Não o lamento pelo seu término
Naquele velório, 
o defunto serei eu.




quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Pela via Dutra a fora



                                                 Pela via Dutra, a fora.
                                                          Márcio Barker



                                                                             Via Dutra - autor Cacobianch     

Outro dia fui ao Rio de Janeiro. Poderia ter ido de avião, mas a falta de grana, e o excesso de medo, têm evitado essa aventura.
Vou de ônibus mesmo, daqueles ''Primeira Classe'', ou ''Pullman'', como se dizia nos meus tempos de criança (afinal minha miserabilidade não impede tal luxo). Hoje se diz "Leito" ou "semi-leito'', sei lá.
Sentei, me arrumei. Nisso, entra um casal, ali entre os cinquenta para os sessenta.
Até aí, nada de mais, apesar de ter notado  a meia azulão, com um tênis abóbora, do marido.  Prá mim tudo bem, numa idade que acho já ter visto de tudo e, portanto, sou um democrata.
Mas...(O duro é o ''mas'', já repararam?
O sujeito já foi sentando, e falando (alto). 
Comentou sobre o ônibus, que tratava-se de um modelo tal, com  carrocheria ''xis'', motor e chassis não sei de onde. E lá foi ele no blá, blá, blá, blá.
Com sono, eu queria era dormir, pois até o Rio de Janeiro é uma boa pernada e, diga-se de passagem que, não sendo mais tão jovem, a viagem pesa.
Eu numa poltrona, individual (para evitar ''malas'' do meu lado), e o casal ao meu lado, no lado de lá do corredor.
E o cara, não parava de asnear. Virava para a mulher e...
''Sabe, eu não sei o que a fulana tem. Anda esquisita. Era tão alegre, agora anda borocochô....''
''Deve andar borocochô quando encontra você, seu mala'' (foi o que me ocorreu, em pensamento).
E dá-lhe  blás, blás, blás.  Era a cor do caminhão que acabou de passar, era o tempo que parecia que iria mudar, era o chacoalhão  que o ônibus deu, isso sem falar quando sentia algum odor estranho.  (Como eu não sentia nada, ficava imaginando qual odor seria).
Daí, o majestoso ônibus entra em Caçapava. 
E, claro...
"Olha. É Caçapava, né? Sabe que, há muito anos atrás, eu estive aqui. É vim fazer um trabalho aqui, fiquei aqui não sei quanto tempo, comia aqui, num restaurante chamado Boi Fatiado, dormia no hotel sei lá o quê, a noite ia fazer não sei o que, nem onde e...blá, blá blá blá''
O folego era inacreditável, assim quanto aos decibéis com os quais se comunicava.
De vez enquanto olhava prá mim. E eu,  mais do que depressa  desviava, ou fechava os olhos, para não me tornar em vítima. Aliás, se tal acontecesse, poderia  despertar o monstro horrendo que se esconde dentro de mim. 
Falando em ''monstro'', a minha batalha era dupla: aguentar aquele cara do lado, e acalmar o tal ''mostro'' que se avolumava dentro de mim.
Notei que ele  tinha um livro nas mãos. Vez por outra folhava rapidamente o tal livro, fechava, e continuava.
''Mas viu? Então...''  E continuava ele, infatigável.
Reparei que, além de matraquear, era agitado. Não parava quieto na poltrona. Era do tipo que devia ter um formigueiro (de saúvas), na bunda.
Fiquei filosofando, para me acalmar. Pobre sujeito, por que seria daquele jeito? Não devia ter paz, e pior, tirava a paz dos outros. E  eu, oscilava entre uma pena imensa, a um ódio profundo. 
Adormeci. Não vi parte do trajeto da viagem. Que bom!!!  Mas logo fui despertado com um ''hit'' internacional: "Yellow Submarine'',  sendo assobiado pelo camarada. Confesso que nunca gostei muito de ''Yellow submarine''. Agora, detesto!
Não contente passou a assobiar ''I love Paris'', ''Petite fleur'', ''Mariquita linda'', ''la vie est rose'', 'La traviatta'' (versão popular), ''The Girl from Ipanema'', em ritmo de chá, chá, chá . E, quando se empolgava, improvisava um acompanhamento, batucando na poltrona. Felizmente, o repertório terminou por aí.
Às vezes inclinava a poltrona, dando a entender que iria dormir (para minha felicidade). Mas qual!  Notei os globos oculares agitados, debaixo de suas pálpebras.
Voltei as minhas conjecturas. Se eu tivesse um 38 à mão, o que eu faria? Bem, certamente eu seria preso, quem sabe até com uma pena leve, já que eu apresentaria atenuantes. Outra possibilidade: nem pensar em usar o tal 38, afinal, ainda não era para tanto. E, ainda outra hipótese: se eu não corresse nenhum risco??? Certamente descargaria o 38 nele. AH, meu Deus, acho que ando impaciente demais!!! Mas...
Entramos em Taubaté.
''Olha, é Taubaté. Sabe, também vim aqui. Então eu isso, eu aquilo, eu aquilo outro, comi lá, dormi aqui...'' E por aí vai. Detalhe: tudo em alto e bom som.
Eu  já havia gasto todo o meu repertório de palavrões, em pensamento, dos mais leves, aos mais pesados. Sem dúvida, o camarada merecia uma taça. Mas taça de quê?
Daí,  ele  volta a abrir tal o livro. Pegava uma caneta, e parecia fazer anotações num papel. Mas reparei que o papel estava de cabeça para baixo. Engraçado, era a cara de paspalho que ficava, quando fazia as tais ''anotações''. Passavam alguns segundos, fechava o livro e...
''Mas então. Viu, sabe aquela história. Lembra, aquela que contei...'' E lá ia em frente. HAJA!!!!
Paramos em Aparecida, depois em Resende. 
Em Resende eu desci para comprar um croquete e um refrigerante. Foi quando vi o sujeito passado na minha frente, com um prato ''montanhoso''. Nada demais. Mas o que me chamou a atenção, foi  antes de se sentar a mesa, ele parou num balcão, para dar uma garfada num bife. Sem dúvida era ímpar, singular, surpreendente, original, impagável, único.
Saindo de Resende, não demora a chegar na Serra das Araras. Passaram-se muitos pensamentos horríveis, condenáveis, pela minha pobre cabeça. Sonhei que estava atirando o cara pela janela do ônibus, em plena Serra. Ora, quanta maldade minha. Como posso ser assim? Estou me desconhecendo. Seria eu um serial killer, especializado em dar fim em chatos? Credo, nunca.
Durante a descida da Serra, notei um silêncio. O cara tinha morrido de  um enfarte, talvez? Um ACV?  Acrofobia?  Não, não. Apenas adormecido, finalmente. Ao menos, isso.
Entramos pela baixada fluminense, à fora. Eu nem me mexia, para não acordar o bebê. Mas, não demorou, e acordou. E...
''Mas, sabe? Outro dia fui na casa do Neves. Não sei o que ele tem. Tá sempre de cara feia, calado, não diz nada...''
Mas, claro, imbecil. Não percebeu que são truques que o Neves usa, para se livrar de você? Foi a conclusão a que cheguei.
E prosseguiu. 
''Sabe que ele comprou uma Arara? Não sei como pôde fazer isso. Animal silvestre que precisa de liberdade lá não tem espaço nem para periquito que absurdo cara sem sentimento um horror...'' (notem a falta de ponto e vírgula), e isso, que mais aquilo, e aquilo outro. E prossegui:
''Eu falei tudo isso a ele. E  perguntei se tem nome a arara? Sabe o que ele  disse ???Que o nome da arara,  era Homero...''
E a mulher.
''Ué? Homero! É mesmo??? Quer dizer que a arara é  um  chara de você?''  E quá, quá, quá, quá.
O cara ficou (desculpem) visivelmente puto.
Eu me rachei de rir comigo mesmo.
Já no Rio de Janeiro (felizmente), acho que na Linha Vermelha, surge o aeroporto.
E ele.
''Ah, esse aí é 'Tom Jobim''
E a mulher.
''Não, É o Galeão'
E ele
''Galeão? Então qual é o 'Tom Jobim'? Deve se o outro que tem aqui, né''
E a mulher.
''Não. Aquele outro  é o Santos Dumont''.
E ele.
''Ué? Então onde fica o 'Tom Jobim'?''
Felizmente  vejo uma imagem paradisíaca: A Rodoviária Novo Rio.
Catei minhas coisas, e fui respirar um doce ar carioca. Credoemcruz!!!!
Mas, cá entre nós, uma confissão: Aquele não era o único chato no ônibus. O outro, era eu. Ô cara impaciente que sou!!!!




quarta-feira, 14 de novembro de 2018

O Lado Esquecido da mesma Moeda



O lado esquecido da mesma moeda
Márcio Barker




Sabem? Sou dado a reclamar. Sim, isso mesmo. E, por vezes reclamo de tudo...até dessa minha mania. Aliás, nesse caso, acredito que é salutar.
Reclamo do frio, do vento, do barulho, do copo que escorrega da mão, e quase quebra.
Outro dia chamei o Buffon. Buffon é um simpático vira-latas, com um nome muito metido a francês.
Berrei.
''Buffonnnnn, vem cá.''
E nada do Buffon.
Novamente.
''Buffonnnnnnnn, onde você está?
Que raiva, ele sempre me atende rápido.
Fui ver. Lá estava ele escarrapachado em suas cobertas, na lavandeira de casa.
''Você não ouviu eu chamar????''
E ele mal levantou os olhos, e as orelhas.
Irritado, fui dizendo.
''Buffonnnn, quer vir aquiiii!!!!!!!”
Nada. Nenhum sinal. Apenas a pontinha do rabo deu uma leve mexida.
''Seu cachorro ingrato. Seu vira-latas medito. E eu que tirei você na indigência das ruas. Quanto dinheiro gasto com ração fina, com atendimentos em clínicas, e sei lá mais o quê, e agora me trata assim!''
Me ignorou, entretanto se dignou a fezer uma observação:
''E as vezes que você não me chamou, e eu fui ficar com você?''.
Fiquei mudo, na minha insignificância.

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Outro dia, em plena Avenida Paulista, em São Paulo.
Um toró daqueles, e eu sem capa, com um guarda-chuvas vagabundo numa nas mãos, e minha bengala, na outra.
De cada poça que eu evitava, pisava em duas, logo a seguir. Naturalmente, como é de se imaginar, os palavrões eram fartos e vários. Usei todo o meu repertório. E, claro, continuei molhado.
E lá fui eu nas minhas impecrações de praxe:
''Que miséria. Já dobrei o cabo, e aqui, à pé, numa tempestade, todo molhado, que horror, que desastre, que sacanagem, que cara mais azarado do mundo.'' Que isto, que aquilo.
Nisso, em meio ao corre-corre, gente pra lá, carros pra cá, me passa um sujeito que se movimentava graças aos seus braços. Deficiente, pobre, ensopado, sem pernas, sujo, maltrapilho, se locomovia valentemente rumo a um abrigo...ah! e sem guarda-chuvas também.
Fiquei mudo, na minha insignificância.

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Foram várias as tentativas, mas finalmente consegui. Sim!!! Entrei na universidade!!!
Claro, me achei o tal! Afinal, sempre soube que estar numa universidade é fazer parte de uma casta de iluminados (ao menos era o que se dizia no meu tempo)
Meu ego inflou. Foi às alturas. Parecia até aqueles pombos peitudos.
Mas, e daí, a turma lá de casa começou a falar, a contar, a dizer aos quatro cantos e a quem quisesse ouvir, em alto e bom som, que eu era isso, era aquilo, e aquilo outro, pois tinha entrado numa universidade. Eram telefonemas pra lá, pra cá e não sei mais pra onde, ou de onde.
E o que aconteceu?
Claro, reclamei em alto e bom som.
''Prá que ficar falando isto e aquilo de mim? Que eu era fantástico, um gênio, que seria isso e aquilo, magnífico, ímpar, singular, sem igual, e tantas mais besteiras. Me deixem em paz. Ninguém tem nada com isso. Prá que fulando, beltrano ou sei lá mais quem, tem de saber sobre o que eu faço, ou deixo de fazer??????''
E, em meio a tanta braveza, algo me ocorreu num lampejo:
''Se eles falaram, contaram, comentaram, foi por que, quem sabe, ficaram felizes, com a sua felicidade...seu idiota``.
Fiquei mudo, na minha insignificância

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Alhos e Bugalhos

                                             Alhos  e  Bugalhos
                                                                                                                    Márcio Barker





Você diz prá mim, que acredita.
E eu digo que também acredito...mas...desacreditando.
Você diz que é verdade.
E eu pergunto: "Será"?
Eu afirmo a você que tal coisa, é!!!
Mas para você,  tal coisa "não é"
Digo que sim.
Mas para você:"não"!
Daí, nos entreolhamos...e sorrimos.
Sorrimos um para o outro.
E eu digo. ''Ah, sabe?'' 
"Acho que isso é bonito".
E você responte: "Não acho".
Eu insisto que me parece bonito.
Mas para você...continua feio.
Você gosta de música romântica.
Eu, de rock n'rol.
Você vislumbra a esperança em outras dimensões.
Eu a vejo em mim.
Novamente nos entreolhamos em silêncio...
...e novamente sorrimos um para o outro.
Daí,
você se vira prá mim,
e diz enfaticamente que tem que ser assim.
Olho nos seus olhos, e pergunto: "será que tem"?
Aflito, eu conto a você de meus eternos "por quês".
Tranquila, e sorrindo, me diz que não se importa com  "por quês"
Depois,
à sua pressa,
eu contrabalanço com minha calma.
Para você, o relógio merece respeito...
Já eu, sempre o desafio...e dou de ombros.
Novamente, um novo sorriso de ambos os lados.
Olho para o seu rosto, tão doce.
Sorrio diante de nossas discordâncias.
Sabe por que?
Elas são valiosas moedas de troca.
A unanimidade é burra, como disse alguém.
E me pergunto, se na  discordância  está o novo.
E, entre tantos "sim" e  "não". Entre tantos "é" e "não é".
damos nossas mãos...nos descobrindo...aprendendo...vivendo...
nos amando!
E percebemos que,
somadas,  as nossas "verdades"...
...darão um belo e eterno  samba!!!!

domingo, 2 de setembro de 2018

Separação


Separação...
Márcio Barker



Sozinho, estava pensando...
Sim, pois é o melhor momento para pensar...
ao menos, acho isso.
Estava com o pensamento longe, bem longe.
E essa distância em meu pensamento, é resultado de mais uma separação.
Sabe? Confesso, já estou me cansado de ''separações''.
Deveria estar me acostumando,
adaptado.
Afinal, ainda tenho alguma versatilidade.
Mas...
Por mais separações que aconteçam,
menos, bem menos me acostumo a elas.
Daí, bem sei que depois de cada separação,
vem o reencontro.
Resta esse consolo.
Mas essa história de ''consolo'', não passa de maquiagem,
que disfarça a minha tristeza.
No caminho do reencontro, a alegria, felicidade, doçura.
Puxa!!! Que bom!!!
Mas por trás, no fundo, está o anuncio de que,
depois disso, lá vem nova separação!!!
Consolar?
Depois do beijo e do abraço doído,
embarco, e me afasto.
E toda a alegria, felicidade e doçura fica para trás,
misturando-se com a frieza do cotidiano.
Me sinto um traste, sem nada a dizer.
Me sinto com raiva, porque tudo se foi, tão depressa.
Me sinto desconsolado por esse sentimento novo, que tenho tido nesses últimos tempos,
que me alegra...mas que também me entristece...
E, como um tonto, após cada separação,
fico catando pedacinhos de tudo aquilo que sobrou do último reencontro.
Imaginando se foi verdade, ou um tolo sonho,
uma bobagenzinha de esperança, ou
uma miragem enganosa.
Mas junto pedacinhos de memória,
dos beijos, abraços, carinho e palavras doces.
Não importa que sejam pedacinhos,
pois são de nós dois.
E espero, sozinho, o próximo reencontro.
E afasto de mim, o fantasma de uma próxima separação...
pois já ando me cansando delas!!!!