Outro dia fui ao Rio de Janeiro. Poderia ter ido de avião, mas a falta de grana, e o excesso de medo, têm evitado essa aventura.
Vou de ônibus mesmo, daqueles ''Primeira Classe'', ou ''Pullman'', como se dizia nos meus tempos de criança (afinal minha miserabilidade não impede tal luxo). Hoje se diz "Leito" ou "semi-leito'', sei lá.
Sentei, me arrumei. Nisso, entra um casal, ali entre os cinquenta para os sessenta.
Até aí, nada de mais, apesar de ter notado a meia azulão, com um tênis abóbora, do marido. Prá mim tudo bem, numa idade que acho já ter visto de tudo e, portanto, sou um democrata.
Mas...(O duro é o ''mas'', já repararam?
O sujeito já foi sentando, e falando (alto).
Comentou sobre o ônibus, que tratava-se de um modelo tal, com carrocheria ''xis'', motor e chassis não sei de onde. E lá foi ele no blá, blá, blá, blá.
Com sono, eu queria era dormir, pois até o Rio de Janeiro é uma boa pernada e, diga-se de passagem que, não sendo mais tão jovem, a viagem pesa.
Eu numa poltrona, individual (para evitar ''malas'' do meu lado), e o casal ao meu lado, no lado de lá do corredor.
E o cara, não parava de asnear. Virava para a mulher e...
''Sabe, eu não sei o que a fulana tem. Anda esquisita. Era tão alegre, agora anda borocochô....''
''Deve andar borocochô quando encontra você, seu mala'' (foi o que me ocorreu, em pensamento).
E dá-lhe blás, blás, blás. Era a cor do caminhão que acabou de passar, era o tempo que parecia que iria mudar, era o chacoalhão que o ônibus deu, isso sem falar quando sentia algum odor estranho. (Como eu não sentia nada, ficava imaginando qual odor seria).
Daí, o majestoso ônibus entra em Caçapava.
E, claro...
"Olha. É Caçapava, né? Sabe que, há muito anos atrás, eu estive aqui. É vim fazer um trabalho aqui, fiquei aqui não sei quanto tempo, comia aqui, num restaurante chamado Boi Fatiado, dormia no hotel sei lá o quê, a noite ia fazer não sei o que, nem onde e...blá, blá blá blá''
O folego era inacreditável, assim quanto aos decibéis com os quais se comunicava.
De vez enquanto olhava prá mim. E eu, mais do que depressa desviava, ou fechava os olhos, para não me tornar em vítima. Aliás, se tal acontecesse, poderia despertar o monstro horrendo que se esconde dentro de mim.
Falando em ''monstro'', a minha batalha era dupla: aguentar aquele cara do lado, e acalmar o tal ''mostro'' que se avolumava dentro de mim.
Notei que ele tinha um livro nas mãos. Vez por outra folhava rapidamente o tal livro, fechava, e continuava.
''Mas viu? Então...'' E continuava ele, infatigável.
Reparei que, além de matraquear, era agitado. Não parava quieto na poltrona. Era do tipo que devia ter um formigueiro (de saúvas), na bunda.
Fiquei filosofando, para me acalmar. Pobre sujeito, por que seria daquele jeito? Não devia ter paz, e pior, tirava a paz dos outros. E eu, oscilava entre uma pena imensa, a um ódio profundo.
Adormeci. Não vi parte do trajeto da viagem. Que bom!!! Mas logo fui despertado com um ''hit'' internacional: "Yellow Submarine'', sendo assobiado pelo camarada. Confesso que nunca gostei muito de ''Yellow submarine''. Agora, detesto!
Não contente passou a assobiar ''I love Paris'', ''Petite fleur'', ''Mariquita linda'', ''la vie est rose'', 'La traviatta'' (versão popular), ''The Girl from Ipanema'', em ritmo de chá, chá, chá . E, quando se empolgava, improvisava um acompanhamento, batucando na poltrona. Felizmente, o repertório terminou por aí.
Às vezes inclinava a poltrona, dando a entender que iria dormir (para minha felicidade). Mas qual! Notei os globos oculares agitados, debaixo de suas pálpebras.
Voltei as minhas conjecturas. Se eu tivesse um 38 à mão, o que eu faria? Bem, certamente eu seria preso, quem sabe até com uma pena leve, já que eu apresentaria atenuantes. Outra possibilidade: nem pensar em usar o tal 38, afinal, ainda não era para tanto. E, ainda outra hipótese: se eu não corresse nenhum risco??? Certamente descargaria o 38 nele. AH, meu Deus, acho que ando impaciente demais!!! Mas...
Entramos em Taubaté.
''Olha, é Taubaté. Sabe, também vim aqui. Então eu isso, eu aquilo, eu aquilo outro, comi lá, dormi aqui...'' E por aí vai. Detalhe: tudo em alto e bom som.
Eu já havia gasto todo o meu repertório de palavrões, em pensamento, dos mais leves, aos mais pesados. Sem dúvida, o camarada merecia uma taça. Mas taça de quê?
Daí, ele volta a abrir tal o livro. Pegava uma caneta, e parecia fazer anotações num papel. Mas reparei que o papel estava de cabeça para baixo. Engraçado, era a cara de paspalho que ficava, quando fazia as tais ''anotações''. Passavam alguns segundos, fechava o livro e...
''Mas então. Viu, sabe aquela história. Lembra, aquela que contei...'' E lá ia em frente. HAJA!!!!
Paramos em Aparecida, depois em Resende.
Em Resende eu desci para comprar um croquete e um refrigerante. Foi quando vi o sujeito passado na minha frente, com um prato ''montanhoso''. Nada demais. Mas o que me chamou a atenção, foi antes de se sentar a mesa, ele parou num balcão, para dar uma garfada num bife. Sem dúvida era ímpar, singular, surpreendente, original, impagável, único.
Saindo de Resende, não demora a chegar na Serra das Araras. Passaram-se muitos pensamentos horríveis, condenáveis, pela minha pobre cabeça. Sonhei que estava atirando o cara pela janela do ônibus, em plena Serra. Ora, quanta maldade minha. Como posso ser assim? Estou me desconhecendo. Seria eu um serial killer, especializado em dar fim em chatos? Credo, nunca.
Durante a descida da Serra, notei um silêncio. O cara tinha morrido de um enfarte, talvez? Um ACV? Acrofobia? Não, não. Apenas adormecido, finalmente. Ao menos, isso.
Entramos pela baixada fluminense, à fora. Eu nem me mexia, para não acordar o bebê. Mas, não demorou, e acordou. E...
''Mas, sabe? Outro dia fui na casa do Neves. Não sei o que ele tem. Tá sempre de cara feia, calado, não diz nada...''
Mas, claro, imbecil. Não percebeu que são truques que o Neves usa, para se livrar de você? Foi a conclusão a que cheguei.
E prosseguiu.
''Sabe que ele comprou uma Arara? Não sei como pôde fazer isso. Animal silvestre que precisa de liberdade lá não tem espaço nem para periquito que absurdo cara sem sentimento um horror...'' (notem a falta de ponto e vírgula), e isso, que mais aquilo, e aquilo outro. E prossegui:
''Eu falei tudo isso a ele. E perguntei se tem nome a arara? Sabe o que ele disse ???Que o nome da arara, era Homero...''
E a mulher.
''Ué? Homero! É mesmo??? Quer dizer que a arara é um chara de você?'' E quá, quá, quá, quá.
O cara ficou (desculpem) visivelmente puto.
Eu me rachei de rir comigo mesmo.
Já no Rio de Janeiro (felizmente), acho que na Linha Vermelha, surge o aeroporto.
E ele.
''Ah, esse aí é 'Tom Jobim''
E a mulher.
''Não, É o Galeão'
E ele
''Galeão? Então qual é o 'Tom Jobim'? Deve se o outro que tem aqui, né''
E a mulher.
''Não. Aquele outro é o Santos Dumont''.
E ele.
''Ué? Então onde fica o 'Tom Jobim'?''
Felizmente vejo uma imagem paradisíaca: A Rodoviária Novo Rio.
Catei minhas coisas, e fui respirar um doce ar carioca. Credoemcruz!!!!
Mas, cá entre nós, uma confissão: Aquele não era o único chato no ônibus. O outro, era eu. Ô cara impaciente que sou!!!!
Mas, cá entre nós, uma confissão: Aquele não era o único chato no ônibus. O outro, era eu. Ô cara impaciente que sou!!!!
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