O
lado esquecido da mesma moeda
Márcio
Barker
Sabem?
Sou dado a reclamar. Sim, isso mesmo. E, por vezes reclamo de
tudo...até dessa minha mania. Aliás, nesse caso, acredito que é
salutar.
Reclamo
do frio, do vento, do barulho, do copo que escorrega da mão, e quase
quebra.
Outro
dia chamei o Buffon. Buffon é um simpático vira-latas, com um nome
muito metido a francês.
Berrei.
''Buffonnnnn,
vem cá.''
E
nada do Buffon.
Novamente.
''Buffonnnnnnnn,
onde você está?
Que
raiva, ele sempre me atende rápido.
Fui
ver. Lá estava ele escarrapachado em suas cobertas, na lavandeira de
casa.
''Você
não ouviu eu chamar????''
E
ele mal levantou os olhos, e as orelhas.
Irritado,
fui dizendo.
''Buffonnnn,
quer vir aquiiii!!!!!!!”
Nada.
Nenhum sinal. Apenas a pontinha do rabo deu uma leve mexida.
''Seu
cachorro ingrato. Seu vira-latas medito. E eu que tirei você na
indigência das ruas. Quanto dinheiro gasto com ração fina, com
atendimentos em clínicas, e sei lá mais o quê, e agora me trata
assim!''
Me ignorou, entretanto
se dignou a fezer uma observação:
''E as vezes que você
não me chamou, e eu fui ficar com você?''.
Fiquei mudo, na minha
insignificância.
XXXXXXXXXXXXXXXX
Outro dia, em plena
Avenida Paulista, em São Paulo.
Um toró daqueles, e eu
sem capa, com um guarda-chuvas vagabundo numa nas mãos, e minha
bengala, na outra.
De cada poça que eu
evitava, pisava em duas, logo a seguir. Naturalmente, como é de se
imaginar, os palavrões eram fartos e vários. Usei todo o meu
repertório. E, claro, continuei molhado.
E lá fui eu nas minhas
impecrações de praxe:
''Que miséria. Já
dobrei o cabo, e aqui, à pé, numa tempestade, todo molhado, que
horror, que desastre, que sacanagem, que cara mais azarado do
mundo.'' Que isto, que aquilo.
Nisso, em meio ao
corre-corre, gente pra lá, carros pra cá, me passa um sujeito que
se movimentava graças aos seus braços. Deficiente, pobre, ensopado,
sem pernas, sujo, maltrapilho, se locomovia valentemente rumo a um
abrigo...ah! e sem guarda-chuvas também.
Fiquei mudo, na minha
insignificância.
XXXXXXXXXXXXXXXX
Foram várias as
tentativas, mas finalmente consegui. Sim!!! Entrei na universidade!!!
Claro, me achei o tal!
Afinal, sempre soube que estar numa universidade é fazer parte de
uma casta de iluminados (ao menos era o que se dizia no meu tempo)
Meu ego inflou. Foi às
alturas. Parecia até aqueles pombos peitudos.
Mas, e daí, a turma lá
de casa começou a falar, a contar, a dizer aos quatro cantos e a
quem quisesse ouvir, em alto e bom som, que eu era isso, era aquilo,
e aquilo outro, pois tinha entrado numa universidade. Eram
telefonemas pra lá, pra cá e não sei mais pra onde, ou de onde.
E o que aconteceu?
Claro, reclamei em alto e
bom som.
''Prá que ficar falando
isto e aquilo de mim? Que eu era fantástico, um gênio, que seria
isso e aquilo, magnífico, ímpar, singular, sem igual, e tantas mais
besteiras. Me deixem em paz. Ninguém tem nada com isso. Prá que
fulando, beltrano ou sei lá mais quem, tem de saber sobre o que eu
faço, ou deixo de fazer??????''
E, em meio a tanta
braveza, algo me ocorreu num lampejo:
''Se
eles falaram, contaram, comentaram, foi por que, quem sabe, ficaram
felizes, com a sua felicidade...seu idiota``.
Fiquei mudo, na minha
insignificância
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