quarta-feira, 14 de novembro de 2018

O Lado Esquecido da mesma Moeda



O lado esquecido da mesma moeda
Márcio Barker




Sabem? Sou dado a reclamar. Sim, isso mesmo. E, por vezes reclamo de tudo...até dessa minha mania. Aliás, nesse caso, acredito que é salutar.
Reclamo do frio, do vento, do barulho, do copo que escorrega da mão, e quase quebra.
Outro dia chamei o Buffon. Buffon é um simpático vira-latas, com um nome muito metido a francês.
Berrei.
''Buffonnnnn, vem cá.''
E nada do Buffon.
Novamente.
''Buffonnnnnnnn, onde você está?
Que raiva, ele sempre me atende rápido.
Fui ver. Lá estava ele escarrapachado em suas cobertas, na lavandeira de casa.
''Você não ouviu eu chamar????''
E ele mal levantou os olhos, e as orelhas.
Irritado, fui dizendo.
''Buffonnnn, quer vir aquiiii!!!!!!!”
Nada. Nenhum sinal. Apenas a pontinha do rabo deu uma leve mexida.
''Seu cachorro ingrato. Seu vira-latas medito. E eu que tirei você na indigência das ruas. Quanto dinheiro gasto com ração fina, com atendimentos em clínicas, e sei lá mais o quê, e agora me trata assim!''
Me ignorou, entretanto se dignou a fezer uma observação:
''E as vezes que você não me chamou, e eu fui ficar com você?''.
Fiquei mudo, na minha insignificância.

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Outro dia, em plena Avenida Paulista, em São Paulo.
Um toró daqueles, e eu sem capa, com um guarda-chuvas vagabundo numa nas mãos, e minha bengala, na outra.
De cada poça que eu evitava, pisava em duas, logo a seguir. Naturalmente, como é de se imaginar, os palavrões eram fartos e vários. Usei todo o meu repertório. E, claro, continuei molhado.
E lá fui eu nas minhas impecrações de praxe:
''Que miséria. Já dobrei o cabo, e aqui, à pé, numa tempestade, todo molhado, que horror, que desastre, que sacanagem, que cara mais azarado do mundo.'' Que isto, que aquilo.
Nisso, em meio ao corre-corre, gente pra lá, carros pra cá, me passa um sujeito que se movimentava graças aos seus braços. Deficiente, pobre, ensopado, sem pernas, sujo, maltrapilho, se locomovia valentemente rumo a um abrigo...ah! e sem guarda-chuvas também.
Fiquei mudo, na minha insignificância.

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Foram várias as tentativas, mas finalmente consegui. Sim!!! Entrei na universidade!!!
Claro, me achei o tal! Afinal, sempre soube que estar numa universidade é fazer parte de uma casta de iluminados (ao menos era o que se dizia no meu tempo)
Meu ego inflou. Foi às alturas. Parecia até aqueles pombos peitudos.
Mas, e daí, a turma lá de casa começou a falar, a contar, a dizer aos quatro cantos e a quem quisesse ouvir, em alto e bom som, que eu era isso, era aquilo, e aquilo outro, pois tinha entrado numa universidade. Eram telefonemas pra lá, pra cá e não sei mais pra onde, ou de onde.
E o que aconteceu?
Claro, reclamei em alto e bom som.
''Prá que ficar falando isto e aquilo de mim? Que eu era fantástico, um gênio, que seria isso e aquilo, magnífico, ímpar, singular, sem igual, e tantas mais besteiras. Me deixem em paz. Ninguém tem nada com isso. Prá que fulando, beltrano ou sei lá mais quem, tem de saber sobre o que eu faço, ou deixo de fazer??????''
E, em meio a tanta braveza, algo me ocorreu num lampejo:
''Se eles falaram, contaram, comentaram, foi por que, quem sabe, ficaram felizes, com a sua felicidade...seu idiota``.
Fiquei mudo, na minha insignificância

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