O Safado
Márcio Barker
internet
Eu era pequeno. Três ou quatro anos, talvez cinco.
Minha mãe metia em mim uma fantasia de cowboy, ou de pirata, que, aliás eu gostava bem mais. Além disso, ela me dava um lança-perfume, lindo, numa embalagem de alumínio, dourada. E lá íamos nos dois, à matinê carnavalesca.
No salão, colorido, agitado, alegre, muita gente. Lembro bem que tinha mais adultos, do que crianças, e pareciam se divertir mais.
No palco, uma baita orquestra, completa. Naipes de metais, madeiras, percussão, piano. No repertório, só as eternas marchinhas.
“Minha fantasia é de diabo/É de diabo,
mas falta o rabo, mas falta o rabo.
Eu vou botar um anuncio no jornal:
Precisa-se de um rabo pra brincar no carnaval”.
Era uma delícia, fosse o rabo, ou o carnaval
E eu largava da mão de minha mãe, e me espalhava pelo salão, (com quatro ou cinco anos!!!)
E, ao som da orquestra fantástica, eu corria pelo salão, de lança-perfume em riste. Objetivo: os magníficos seios, e as maravilhosas coxas das ''folionas''. Confesso: jamais esqueci.
Lembro bem das reações. Elas olhavam pra mim, entre assustadas e surpresas. Não esqueço dos sorrisos. E diziam:
''Que garotinho precoce!!!''
Olhavam sorrindo para minha mãe e diziam:
''Seu filhinho? Mas que safadinho, não?''
Minha mãe sorria. Naquele tempo ela não ficava brava...
E o garoto ''levada da breca'', como se dizia antigamente, continuava pelo salão a fora, com seu lança-perfume, entre seios e coxas (deslumbrantes), enquanto isso, a orquestra tocava:
“Brasil já lamçou fogueteeeeeeeeee,
agora Cuba também vai lançar.
Quero ver Cuba lançar, Cuba lançar, Cuba lançar''
Aqueles carnavais passaram, o lança-perfume, a banda, as marchinhas, aqueles seios, e aquelas coxas, e o o garoto safadinho, também
E hoje:
corrida atrás só ônibus perdido.
Perdido na fila interminável do banco.
Um mágico que estica o salário que terminou bem antes do fim do mês.
Próstata.
Filho que vai mal no colégio.
Mulher que reclama e cobra...
a ereção duvidosa, insegura.
Insônia, pesadelos.
O carro que não pega de manhã (já atrasado).
O velho amigo que morreu de repente.
A insatisfação indefinida, que se esconde atrás de uma máscara.
O vazamento na parede.
A inflação.
A boçalidade vencendo a eleição.
O funk alto no vizinho.
O sertanejo universitário no outro vizinho.
A encheção de ter de ir ao médico.
Pressão dando de subir.
O distinto relutante...descendo.
O chato inesperado na rua, e não teve tempo de mudar de calçada.
Etc e tal
E o que me faz sobreviver e não perder o bom humor???
Simples:
É aquele safadinho que ainda sobrevive lá no fundo, entre as lembranças das marchinhas, do lança-perfume, dos seios e das coxas, num eterno carnaval
Que bom!!!
(P.S.: um comentário é legal, seja para um elogio, seja para uma crítica. Sempre importante.
Por favor, comente. Grato
O Autor)
2 comentários:
Tao Rubem Braga isso que vc escreveu... o passado de marchinhas no salao, o dia a do presente, os amigos que insistem em morrer de repente. Como cenas de televisao. Querido: coxas aos 5? Bravissimo!! Mas nao pare pra fazer a conta de quantos anos vc vive nessa intensidade insana,nao. Avante que vc precisa estar atento e forte pra ver o dia que Cuba vai lançar um fouguete!!
Camilla Tebet
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