quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Ode ao batedor de carteiras

Ode ao batedor de carteiras - Márcio Barker

“Eu fui à Lapa e perdi a viagem/ que aquela tal malandragem/ não existe mais/Agora já não é normal/O que dá de malandro regular, profissional/malandro com aparato de malandro oficial/malandro candidato a malandro federal/malandro com retrato na coluna social…”
(Fragmento de  “Homenagem ao Malandro” – Chico Buarque de Hollanda)

Mas nem sempre foi assim. Não, não senhor. E como bem diz essa  composição de Chico Buarque de Hollanda, o malandro de ontem era bem outro.
Um deles era aquele ser lendário, motivo até de inveja, admiração e até, pese as circunstâncias, merecedor de respeito.  Era aquele camarada que deslizava pelos bondes e ônibus, que circulavam nas antigas metrópoles brasileiras.
Apesar de não ser, tornava-se invisível. Era o concreto transformado em no abstrato. Uma mistura de gato  e sombra, quem sabe até um peixe ensaboado. Fazia do silêncio uma arte. Arte também era a capacidade de se tornar imperceptível, de não ser notado apesar de estar presente.  E, em meio à super população dos bondes e ônibus de outros tempos, ele era também a ave de rapina. Sim, um autêntico predador implacável… sem se fazer notar…camuflado.
Os antigos ônibus e bondes…ha, sim, trens também, tinha esquecido. Era seu território, seu pasto,  onde conseguia subsídios para a dura sobrevivência, no implacável dia-a-dia. Era ele sua excelência  o batedor de carteiras.
Um gênio na arte da dissimulação. Um artista da pantomima. Em meio a gestos delicados, finos, disfarçados, com mãos precisas, porém de seda e com dedos de veludo,   ele deslizava soberbo, onipresente, porém e imperceptível por entre bolsas, bolsos, paletós, vestidos e até coletes, em busca de sua sobrevivência: ela, a carteira. Sim,  recheada, ou mais minguada, tanto faz, pois cavalo dado não se olha os dentes.
E, convenhamos, num tempo sem celular, quando o cheque não era tão popular e cartões de crédito e débito nem sonho eram, ao batedor de carteira não se podiam imputar grandes crimes.  “Crimezinhos”, talvez, porém, sem traumas, sustos, sem grandes efeitos colaterais,  e realizado numa elegância de nunca mais.
A ele, a nossa quase homenagem.

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