segunda-feira, 27 de maio de 2013

Era ela!


Era ela! - Márcio Barker

Ocasionalmente caminhando por essa velha rua, por onde tanto passei, em outros tempos que sei lá onde foram parar. Apesar do tempo, pouca coisa mudou. O passado está ali, ao vivo e a cores, diante do meu nariz. Acho que estou ficando velho, pois fico escarafunchando em cada detalhe dessa rua, alguma lembrança. É, dizem que quem vive de lembrança já está ficando mais prá lá, do que prá cá. Será? “Credo em cruz”, como dizia meu pai. Tá vendo? Outra lembrança.
Eu não era assim, mas essa rua mexe comigo. Nisso, olho mais adiante,e vejo alguém na calçada do outro lado. Será? O coração ameaça disparar, como há tempos não disparava. Ali, do outro lado da rua pensei ver você. Não! Não pensei não! É você mesma. Reconheci pelos gestos simples e elegantes, pelo caminhar tranqüilo, pelo mesmo corpo que insistiu em resistir ao tempo. Eu parei pasmo. “Será ela?” Sim, é você! Vi seu rosto. Recordou-me um antigo disco, que o chiado não conseguiu esconder a beleza da melodia. O tempo mexeu no seu rosto. Mas não o reduziu a secura da velhice, ao contrário, as marcar só acrescentaram o seu charme. Aquele rosto único de paz infinita. Um olhar sereno, silencioso, mas que dizia tanto. O mesmo olhar que podia também ser, vez por outra sapeca, acompanhado por um sorriso ligeiramente malicioso. Sim, é você mesma. Os anos não apagaram o que você sempre foi e por isso a separação não apagou a sua lembrança.
Atravesso a rua? Vou ao seu encontro? Mas e daí? O que direi a você? E, pior, o que você dirá a mim? Receberei o sorriso sereno e o braço estendido? Ou um cruel olhar sem expressão? Não! Acho que não vou até você. Já se passou tempo demais...mas será que isso importa? Será que atravesso essa bendita rua?
De repente, pensei ver o seu olhar fixo no meu. Por um segundo infinito você pareceu me olhar...me ver. Será? O que pensou? Quis também atravessar a rua? Reconheceu-me, apesar do tempo? Os anos esconderam o que eu já fui? Ou será que você nem se lembra de mim?
Sabe? Outro dia eu me lembrei de você. Pensando bem, quando é que eu não lembro. Lá estava você nítida, no teto de mais um dos infinitos quartos que tento dormir. Fecho os olhos para não ver você. Não adianta, continuo vendo o seu rosto. E por falar nisso, não sei quantas vezes perguntei a mim mesmo, por onde andará você? Pois é. Sabe que essa pergunta não se cala. E pensar que tive você inteirinha prá mim. Todinha: seu corpo, sua alma, ao alcance de minhas mãos e meus olhos. Meu Deus! E pensar que podia ouvir sua voz quando quisesse.
É... você estava logo ali. Era só levantar a mão para acariciar seu rosto, seus cabelos. E agora? Agora você se tornou numa miragem tão presente, e tão distante. Tão distante e tão presente. Mas sempre apenas, uma tênue miragem, que insiste em me atormentar. E pensar que você se foi por minha culpa. Essa é a minha maior tragédia. A tragédia que me consome por anos a fio. É... eu lembro e relembro de você. Eu lembro e relembro das coisas ditas, das juras das promessas dos sonhos de um amor eterno, apesar de desfeito. Desfeito, mas eterno. Eu lembro e relembro de tanto amor que se foi. Eu lembro e relembro. E agora aí está você, diante de mim, do outro lado da rua. Atravesso? Ou continuo apenas lembrando...e relembrando de você?

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